sábado, 27 de agosto de 2011

por LuizFernandoSarmento - Publicado dia 22 de abril de 2010 às 18:49
Selma Hinds:... Resiliência pra mim é uma pessoa passar por impactos, passar por dores, e ela, com seus recursos, ela conseguir dar a volta por cima e sair inteira do outro lado... ### Terapeutas e usuários - de lugares e formações diversas - falam sobre usos e resultados da Terapia Comunitária: Adriana Brant, Aldeide Barreto, Alex Xavier, Angela Moreira, Beatriz Martins, Carolina Duarte, Catalina Baeza, Cesar Pérez, Helena Julia, Louise Mara, Bia Costamilan, Marília Amaral, Marília Modesto, Michel Robim, Monica Alegre, Naly Almeida, Paula Freitas, Raquel Gertner, Raquel Abreu, Rosimeire Winter, Sandra Mara, Selma Hinds, Solange Catanhede, Zé Austernio, Zequinha. *******

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

ESTAGIO EM VERA CRUZ.


                   Instruir, orientar e traçar metas para uma boa convivência no lar. Esse é o objetivo do projeto de intervenção de Serviço social do distrito de Porto Seguro BA  para as duas  estudantes de Serviço Social de VERA CRUZ  distrito de Porto Seguro BA no Centro de Referência e Assistência Social (Cras) toda quarta-feira, às14h. a participação das alunas Joilda Lopes e Silvanede Costa consiste em reunir Mulheres , família para falarem sobre as dificuldades enfrentadas e das experiências vividas no âmbito familiar.
  As alunas recebem o acompanhamento da psicóloga do CRAS,Nargila, que aproveita a oficina para ajudar, esclarecendo dúvidas, encaminhando principalmente as mães, que sãos as que mais participam do projeto, sobre a relação com os filhos. Outra pessoa que acompanha o projeto de perto é a Assistente Social do centro Reginalva Almeida Santana idealizadora 
do projeto junto a psicóloga ,  Além de fazer uma roda com bate papo para troca de experiências, os pais toda a semana discutem sobre diversos temas, como amor, afeto, união e montam a árvore das dificuldades, onde as próprias mulheres apontam as dificuldades presentes dentro do bairro que impede a família de manter uma boa estrutura.
  Na reunião de quarta-feira, 5 de maio, devido à proximidade do Dia das Mães, as alunas que desenvolvem o projeto homenagearam as participantes com música e presentes.
  De acordo com as participantes, o projeto tem mudado a realidade de algumas famílias participantes que convivem diariamente com casos de violência, principalmente entre os jovens e adolescentes do bairro. “Nosso papel é orientar os pais para saberem como se relacionar com os problemas da comunidade e com os próprios filhos. Realizamos dinâmicas e palestras” explica as estagiarias que por 25 encontros  participaram dessas atividades
  Entre os assuntos das reuniões: planejamento familiar, drogas violência doméstica, exploração do trabalho infantil entre outros. “É uma forma de juntos discutirmos os problemas e encontrar soluções que funcionem para essas famílias.”, conclui as estudantes de Serviço social do distrito de porto seguro BA.

EQUIPE Multiprofissional


Projeto de Intervenção Multiprofissional

A s estagiarias têm participado das discussões e do processo da construção com o tema cras na comunidade para implantação do projeto de intervenção uma realidade uma possibilidade no distrito de VERA CRUZ Município PORTO SEGURO BA. Muitas têm sido as contribuições destas ações das políticas publicas de Assis tecia social em nosso caminho. É muito importante conscientizarmos que para o total sucesso de uma jornada é necessária uma integração entre todos os responsáveis pelo bem estar de nossa comunidade.
 Palestras e atendimentos estão sendo realizados pelas profissionais  técnicos do CRAS DE VERA CRUZ.conhecimentos em promoção de ASSISTENCIA SOCIAL.
O trabalho destas profissionais compreende um conjunto de ações como: contatos com as escolas; reuniões com usuários  do cras e comunidade que ainda não usa os serviços participação de forma ativa e efetiva junto ao trabalho da supervisora  de campo ,Reginalva Almeida Santana com palestras levando assuntos do interesse 

VERA CRUZ PORTO SEGURO BA



O Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) de PORTO SEGURO BA apresentará um Projeto de Intervenção Social aos membros da comunidade do distrito de VERA CRUZ, PORTO SEGURO BA no próximo dia 18/09/11.
 A finalidade é expor as propostas e parcerias interligadas ao Projeto, que será colocado em prática através da realização de seminários à população.
No último dia 04 de julho o CRAS promoveu o 1º Encontro com Lideranças da comunidade locais Governamentais e Não Governamentais das áreas de abrangência do CRAS DE VERA CRUZ, também para apresentação do Projeto.
O Projeto de Intervenção Social visa fortalecer o sistema de garantia dos direitos do cidadão por meio de mobilizações e ações preventivas, em apoio a outras redes de proteção, cuja finalidade é sistematizar todas as ações de maneira integrada. Também tem o intuito de evitar modelos assistenciais e adaptacionistas que não condizem com a realidade dos indivíduos e ainda contribuem para a legitimação de ‘modos maquiados’ de exclusão social.
No último dia 04 de julho o CRAS promoveu o 1º Encontro com Lideranças da comunidade local Governamental e Não Governamentais das áreas de abrangência do CRAS DE VERA CRUZ, também para apresentação do Projeto.
O Primeiro Seminário acontecerá dia 18 de agosto 2011.
Na Escola Estadual Heraldo Tinoco em Vera Cruz distrito de Porto Seguro BA.
 A partir daí serão levantadas as demandas das comunidades para a construção e consolidação de indicadores sociais que contribuam para uma verdadeira transformação social.  

CRECHE IRMÃ TEREZINHA.











UMA REALIDAE UMA POSSIBILIDADE 1

CRAS apresentará Projeto de Intervenção Social à comunidade devera CRUZ PORTO SEGURO BA






 As estagiarias têm participado das discussões e do processo da construção com o tema cras na comunidade para implantação do projeto de intervenção uma realidade uma possibilidade no distrito de VERA CRUZ Município PORTO SEGURO BA. Muitas têm sido as contribuições destas ações das políticas publicas de Assis tecia social em nosso caminho. É muito importante conscientizarmos que para o total sucesso de uma jornada é necessária uma integração entre todos os responsáveis pelo bem estar de nossa comunidade.



sábado, 6 de agosto de 2011

Centros históricos e sustentabilidade cultural das cidades *



cultural das cidades *
Paulo Peixoto
Resumo
Os “centros históricos” constituem um elemento central de uma nova sintaxe do
espaço urbano. Enquanto objecto de estudo, são um instrumento privilegiado para
analisarmos a dialéctica urbana da permanência e da mudança e para apreendermos a
cidade no seu todo. É um objecto que permite, ao mesmo tempo, dar conta do hiato
entre a cidade imaginada e ensaiada pelos projectos e a cidade vivida.
São estes desafios que nos levam a equacionar a questão dos “centros históricos”
e da sustentabilidade cultural das cidade em três dimensões. No contexto das imagens
que os projectos e as políticas de transformação urbana difundem e no modo como
estas novas imagens se combinam ou entram em ruptura com imagens dominantes. No
contexto dos fluxos turísticos e das dinâmicas do mercado urbano de lazeres. E, por
fim, no contexto das intervenções urbanísticas e do significado social dessas
intervenções.
Introdução
Porque se tornaram, nas últimas décadas, os “centros históricos” um
elemento incontornável da dimensão discursiva das intervenções urbanísticas e
das políticas de reabilitação urbana? Esta questão, ainda que não encontre uma
resposta cabal nas linhas do texto que se segue, e que seja mais uma fonte de
perguntas que de respostas, leva-nos a questionar o lugar e as funções actuais
dos núcleos urbanos antigos nas cidades que crescem para fora dos seus centros
*
 Texto elaborado no âmbito do projecto de investigação “Intermediários culturais, espaço
público e cultura urbana (Praxis/P/SOC/13151/1998), financiado pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia e executado pelo Centro de Estudos Sociais. Apresentado no colóquio A cidade entre
projectos e políticas. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 30 de Junho de 2003.Paulo Peixoto
212
tradicionais. Mas leva-nos igualmente a reflectir sobre a cidade que, entre
projectos e políticas, ora se parece transformar de uma forma vertiginosa, ora
parece permanecer quase imutável na sua morfologia e na sua identidade.
A tese aqui defendida sustenta que os “centros históricos” constituem um
elemento central de uma nova sintaxe do espaço urbano. Postula igualmente
que, enquanto objecto de estudo, são um instrumento privilegiado para analisar-
mos a dialéctica urbana da permanência e da mudança e para apreendermos a
cidade no seu todo. É um objecto que permite, ao mesmo tempo, dar conta
desse imponderável hiato entre a cidade imaginada e ensaiada pelos projectos e
a cidade vivida, onde as políticas urbanas tantas vezes se demoram, chegando,
por vezes, a encalhar.
As nossas cidades, por via das profundas transformações ocorridas na
sociedade portuguesa nas últimas décadas, lançam-nos um desafio a vários títulos
estimulante. O desafio de equacionar até que ponto as cidades em que vivemos
são culturalmente sustentáveis ou simbólica e funcionalmente congruentes com
o seu passado recente. É este desafio que nos leva a equacionar a questão dos
“centros históricos” e da sustentabilidade cultural das cidades em três dimensões.
No contexto das imagens que os projectos e as políticas de transformação urbana
difundem e no modo como estas novas imagens se combinam ou entram em
ruptura com imagens dominantes. No contexto dos fluxos turísticos e das
dinâmicas do mercado urbano de lazeres. E, por fim, no contexto das intervenções
urbanísticas e do significado social dessas intervenções. A sustentabilidade não
deixa, neste âmbito, de conter uma dimensão financeira, uma dimensão
ecológica, bem como uma dimensão gestionária relacionadas com as operações,
os objectivos e as prioridades das intervenções urbanísticas. Mas é a dimensão
cultural da sustentabilidade, no domínio representacional e simbólico em que
as cidades se movem, que constitui o enfoque da análise.
Os centros históricos e uma segunda vida das cidades
A centralidade que a expressão “centro histórico” adquiriu nos discursos
políticos, técnicos e jornalísticos, bem como o grau de reconhecimento e de
consensualidade que parece ter obtido junto do público em geral, parece ser
directamente proporcional ao grau de transformação e de urbanização das cidades
portuguesas. Na verdade, quanto mais nítidos são os indicadores de transfor-
mação, mais acentuada parece ser a sensibilidade suscitada relativamente à
urbanidade, aos signos que a tipificam e a uma ideia abstracta de patri-
mónio que os “centros históricos” parecem reificar. Quanto mais rápidas eCentros históricos e sustentabilidade cultural das cidades
213
acentuadas são as mudanças, e mais visíveis e reais se tornam os efeitos da
urbanização, maiores são a sensação de perda e a tentação para imaginar um
passado harmonioso que, supostamente, se teria desenrolado nos “centros
históricos”.
Sendo uma noção relativamente recente, que só ganha sentido face à
proeminência e à centralidade de novos espaços citadinos, a expressão “centro
histórico” tem vindo a ser recodificada por várias disciplinas científicas, da
arquitectura ao urbanismo, passando pela história, pela antropologia, pela
geografia, pela sociologia, etc., dando origem a uma “metalinguagem do patri-
mónio” (Lamy, 1996). Metalinguagem que se torna evidente quando constatamos
que, em muitos casos, aquilo que chamamos “centros históricos” são locais
que, em rigor, não são nem centrais nem históricos. Por outras palavras, a
expressão “centro histórico”, mais do que remeter para um objecto ou para um
espaço, converte-se em representação de alguma coisa. Essa metalinguagem do
património, de que a expressão “centro histórico” faz parte, representa tudo o
que nos arriscamos a perder no contexto de uma urbanização galopante, incluindo
aquilo que, por vezes, nunca se teve: o espaço público, a qualidade de vida, as
referências identitárias, a cidade à escala humana. Em suma, representa as bases
de uma cidade culturalmente sustentável. Nesta dimensão de metalinguagem
do património, a expressão “centro histórico” não pode deixar de ser encarada
como um recurso retórico das políticas de reabilitação urbana, encerrando em
si própria muitas das ideologias que sustentam essas políticas. Mas a histeria
patrimonial (Peixoto, 2002) em que participa representa igualmente um trunfo
retórico que acaba por funcionar como um “perfeito alibi” para autarcas que,
mostrando estar noutro lugar  (onde a cidade se revê e a visibilidade é, por
consequência, grande) provam não estar nos locais onde o caos urbanístico se
expande e a responsabilidade política não tem paternidade.
A consciência patrimonial que subjaz à expressão “centro histórico” revela
que os núcleos urbanos antigos são um reflexo do nosso presente e do nosso
futuro mais do que do nosso passado (Ashworth e Tunbridge, 2000). Qualquer
consciência patrimonial se manifesta a partir de um traumatismo de ruptura.
Ela é uma reacção contra o risco de desaparecimento, mas que arrasta consigo
o objectivo de promover a regeneração. O luto, em sentido metafórico, se
transposto para o domínio grupal, funda as relações sociais numa memória
colectiva: a dos antepassados e dos espaços comuns. A consciência patrimonial
não deixa de ser um indicador desse estado de luto. Mas é mais que isso. Num
processo fortemente identitário, como é o da formação de uma consciência
patrimonial, a identidade não é o factor mais relevante. O factor mais significativoPaulo Peixoto
214
é a assimilação colectiva da mudança (Colardelle, 1998) e a consciência
patrimonial ajuda a promover essa assimilação. Num contexto de mutações
brutais e com frequência dolorosas, como as que se têm manifestado com
particular incidência nas cidades, a identidade funciona como consciência da
acção. Só um rito colectivo de passagem, que inclua o luto e a magnificação do
defunto, permite aos indivíduos suportar ou admitir a mudança, dando início à
regeneração (idem, 1998). Daí o exacerbamento discursivo sobre o estado de
defunto em que os “centros históricos” se encontram, bem como o argumento
recorrente que com o eventual desaparecimento dos “centros históricos”
desaparece aquilo que de melhor as nossas cidades e as nossas sociedades
dispõem. Por isso, o que mais interessa, do ponto de vista da análise, é constatar
que a consciência patrimonial responde às necessidades da sociedade futura.
No contexto das políticas de reabilitação urbana, as verdadeiras razões de
multiplicação infindável de projectos e de estratégias de patrimonialização
permanecem frequentemente escondidas. Os “centros históricos”, enquanto
dimensão da metalinguagem do património, prestam-se a acções pedagógicas,
turísticas, políticas, económicas e de experiências técnicas e sociais de ponta
(Guillaume, 1980; Ashworth e Tunbridge, 2000).
Neste sentido, a efervescência patrimonial que se manifesta presentemente
nos núcleos urbanos antigos não pode deixar de ser vista como uma reacção à
atomização social e ao desenraizamento causados pela aceleração da vida
moderna, pelo crescimento das periferias e correspondente desertificação dos
centros urbanos e pelo ritmo de desaparecimento de modos de vida tradicionais.
A consciência patrimonial funciona, neste contexto, como uma invenção cultural.
Ou seja, uma forma de reanimar o presente através da atribuição de uma segunda
vida a um passado mais ou menos inerte e supostamente longínquo. Um certo
grau de inércia, baseado no princípio de que é preciso morrer para nascer de
novo, afigura-se mesmo como necessário para que a revivificação seja bem
sucedida. A mais-valia estética associada a esse renascimento, transpor-
tando desejos de urbanidade, ideais de participação cívica e sentimentos
comunitários, promove e sustenta uma construção retórica da sustentabilidade
cultural urbana.
A refuncionalização desse passado, oscilando entre a reactivação, a
reinvenção e a idealização, adquire formas muito diversas. No limite, ela balança
entre uma dimensão retórico-folclórica de projectos que se resumem a protocolos
de imprensa e uma dimensão que remete para políticas concretas de ordenamento
urbano e de promoção local. A recodificação da expressão “centro histórico”
tanto pode consistir em reactivar algo que já existia, mas que tendo deixado deCentros históricos e sustentabilidade cultural das cidades
215
estar integrado nas práticas quotidianas é redescoberto para novas funções (uma
segunda vida), como manifestar-se através de operações de invenção e de
encenação de uma singularidade e de uma continuidade (Lowenthal, 1989) que
traduzam esse carácter sui generis e a harmonia que sustenta as comunidades
imaginadas (Anderson, 1991) que a expressão “centro histórico” pretende
representar.
Património e imagens urbanas
A identidade e o estilo de uma cidade ou de uma região são, hoje em dia,
definidos, de um modo visível, pela valorização ou invenção de um património
(Peixoto, 2002). Parece ser muito nítido que o ritmo frenético da patrimoniali-
zação1
 se caracteriza por uma “reinvenção” semântica e funcional em vários
domínios (Hobsbawm e Ranger, 1983; Lowenthal, 1996; Lamy, 1996), num
sentido em que “a marca de tradição do património se converte em capital de
inovação” (Fortuna, 1997). Por isso, a noção de conservação que invadiu a
retórica alusiva às políticas urbanas é apenas o “mito necessário” que permite
disfarçar que o “centro histórico” é muito mais que artefactos e hábitos do
passado que foram preservados (Goodey e Ophir apud Ashworth e Tunbridge,
2000).
Não é despiciendo salientar que as cidades entraram, em vários domínios,
numa lógica de empresarialização, sendo concebidas, frequentemente, como
produtos a escoar em certos mercados. É, aliás, por isso que expressões como
“gestão urbana”, “empresas municipais”, “marketing urbano”, ou, entre outras,
“imagem de marca das cidades” se tornaram tão recorrentes nos nossos dias
(Peixoto, 2000a). Nesta lógica de promoção de um produto, o património  tornou-
-se um recurso incontornável das estratégias de definição de uma imagem de
marca, constituindo-se, ele próprio, como a “marca” que define um certo valor
concorrencial e comunicacional. As cidades históricas representam, aliás, um
dos modelos identitários de desenvolvimento urbano que mais se tem multipli-
cado (Peixoto, 2001), embora, com alguma frequência, essas cidades não sejam
eminentemente históricas.
1
 Por patrimonialização entendemos, grosso modo, a atribuição de um protocolo formal de
classificação e de protecção a uma variedade infindável de bens. Para uma exploração mais detalhada
do sentido que atribuímos ao conceito de patrimonialização ver Peixoto (1997) e Frias e Peixoto
(2001). Para uma caracterização do ritmo frenético de patrimonialização de “centros históricos”
ver Peixoto (1997, 2000b e 2001).Paulo Peixoto
216
Essa lógica de empresarialização que move as cidades motiva uma
renovação identitária e uma difusão de novas imagens, que, grosso modo, se
efectua de três formas imbricadas.
2
 Quer através da dinamização cultural, como
a organização de actividades e eventos de diferentes dimensões e regularidades
que visam captar novos frequentadores para o espaço público (Cf. Ferreira,
1998; Santos e Abreu, 1999). Quer através de práticas urbanísticas e arquitec-
tónicas que visam inscrever símbolos modernizadores nas paisagens urbanas
(Cf. Ferreira, 1997). Quer ainda através da instrumentalização, da reinvenção e
da revalorização de um património histórico que é o suporte de uma estratégia
de criação e de aferição de um espírito de lugar (Cf. Fortuna, 1997; Frias e
Peixoto, 2001). Em qualquer uma destas três formas de renovação identitária
verifica-se que os “centros históricos” são frequentemente instrumentalizados
de modo a permitir a difusão intencional de uma imagem negativa da cidade. O
objectivo desta estratégia tem a ver com o facto de o estado degradado do “centro
histórico” permitir uma dramatização da condição da cidade que acaba por
funcionar como justificação e factor de legitimação da reivindicação de recursos
financeiros e de instrumentos legais que agilizem a desejada renovação
identitária. Por outro lado, numa outra lógica de instrumentalização, os “centros
históricos” são idealizados de modo a permitir, através de práticas selectivas de
visibilização de elementos emblemáticos das zonas urbanas antigas, que a cidade
promova uma imagem positiva. Esta dissonância de imagens gerada, muitas
vees, por organismos de gestão locais com interesses divergentes, configura,
desde logo, um quadro de insustentabilidade cultural.
É a combinação dessas três formas de renovação identitária e o carácter
voluntarista que muitas vezes as anima, que nos leva a interpelar a congruência
simbólica de cidades que estão a transformar-se rápida e profundamente. Ou
seja, até que ponto essas cidades em mudança vertiginosa são culturalmente
sustentáveis? Esta questão ganha um sentido mais agudo se recordarmos que,
com alguma frequência, designamos por “centros históricos” lugares que, em
rigor, não são nem centrais nem históricos. Esta constatação leva-nos a reformular
a questão da sustentabilidade em termos analiticamente mais profícuos. Porque
se apresentam como históricas cidades que estão claramente apostadas em se
modernizarem recorrendo a elementos do seu passado?
2
 Devemos salientar que a lógica de empresarialização nem sempre está dependente, pelo
menos exclusivamente, da actuação do poder político local. Muitas vezes ela é visível na actuação
das grandes empresas do lazer e do entretenimento que descobriram o valor emblemático das cidades
para as estratégias dos produtos que comercializam.Centros históricos e sustentabilidade cultural das cidades
217
Muitas cidades mantêm uma imagem de “cidade histórica” ancorada na
sua vetustez e no carácter das suas funções dominantes. Ou seja, o  ethos
dominante da cidade é de natureza “histórica”, por oposição a “moderno”
(Ashworth e Tunbridge, 2000). O “centro histórico”, não obstante a existência
de novos espaços urbanos, diz respeito a um lugar circunscrito e delimitado
onde se localizam as fontes deste ethos e as manifestações festivas, estéticas e
emblemáticas da sua afirmação.
3
 Neste sentido, é possível continuar a falar de
uma “cidade histórica” ainda que ela, no seu conjunto, já não o seja do ponto de
vista das funções dominantes. Mas mesmo nestas situações é frequentemente o
“centro histórico” que detém o poder de representação e de percepção da cidade
actual porque nele estão fixados os símbolos que dão forma à identidade urbana.
O passado e a história, de que os “centros históricos” aparecem como repositório,
são a matéria prima necessária para criar um décor que sustenta a introdução de
elementos modernos na paisagem urbana. É esta simultaneidade de diversidades
entre o “antigo” e o “moderno” no espaço urbano que, em boa parte, reforça o
valor da imagem de marca que os “centros históricos” representam. O capital
de inovação daquilo que é catalogado como património reside tanto no facto de
poder permitir que o moderno se afirme e se legitime por via da confrontação
com o antigo, como numa estetização que radica num confronto de temporali-
dades e de estilos arquitectónicos e que permite resgatar elementos ameaçados
das paisagens urbanas. Neste sentido, a simultaneidade de diversidades pode
ser vista como uma condição necessária para assegurar a sustentabilidade
cultural, na medida em que pode transportar e formar objectivos promessas de
superação da realidade material mas sobretudo imagética. Ou seja, essa
simultaneidade, combinada com uma imbricação equilibrada dos elementos
antigos com os modernos, pode ser a imagem mais visível da longa duração,
revelando, por aí, que a cidade tem não só um passado, como tem também um
futuro. A expressão “cidade histórica” é, por isso, frequentemente, um paroxismo
linguístico da nova sintaxe do espaço urbano, já que nem nas suas funções
dominantes nem no seu ethos a cidade é verdadeiramente histórica. Mas é este
paroxismo linguístico que sustente uma imagem de continuidade e de
sustentabilidade.
3
 A delimitação desse lugar é, devido à existência de fronteiras materiais ou simbólicas, mais
legível nuns casos do que noutros. Mas se as muralhas dos antigos centros urbanos possuem um
“sentido sacral” (Fernandes, 1992) é porque elas detêm um poder representacional que ultrapassa
em muito seu valor funcional.Paulo Peixoto
218
Os fluxos turísticos e o mercado urbano de lazer
A partir dos anos 60 do século XX o turismo tornou-se um fenómeno global
massificado. Ainda que o turismo urbano tenha ficado inicialmente à margem
desta massificação, a cidade é, hoje em dia (a par do litoral e do campo, e antes
das montanhas), um dos quatro grandes destinos de férias. No domínio das
estadias de curta duração (menos de 4 noites), as cidades assumem-se como o
principal destino à escala europeia, concentrando 50% da procura (Merlin, 2001).
Fenómenos como o do turismo urbano contemporâneo e das práticas
urbanas de lazer só podem ser compreendidos se os analisarmos no âmbito do
processo de estetização em que estão a ocorrer. Com isto queremos dizer que o
turismo urbano, cada vez menos redutível ao turismo histórico e patrimonial,
depende crescentemente da existência de cenografias que estimulem a actividade
sensorial dos turistas (Frias e Peixoto, 2001). O que há hoje de novo quando
olhamos para o turismo urbano é que, para além da importância do fascínio
exercido pela temporalidade simbolizada nos monumentos e na arquitectura,
há outros factores de estetização que derivam dos estilos de vida, dos quotidianos
e dos espaços urbanos que a indústria turística e de lazer promove e comercializa,
que são igualmente importantes para percebermos a expansão do mercado urbano
do turismo e lazer (Fortuna, 1999).
Um dos processos que, actualmente, é particularmente visível nas cidades
portuguesas e que tem directamente a ver com a transformação do espaço urbano,
com a dimensão patrimonial da cidade, com o fenómeno turístico e com o
mercado urbano de lazer é o processo de estetização das paisagens urbanas
(Frias e Peixoto, 2001). Este processo, nas diversas vertentes em que se manifesta
(Welsch, 1997), aponta para a reactivação de usos passados, para a fabricação
de produtos artesanais e para a mobilização e a concentração de elementos
culturais e históricos de modo a mostrar que as cidades dispõem de um patri-
mónio valioso e digno de ser conhecido. É um processo que se caracteriza por
uma invenção ou uma reinvenção de tradições, por uma certa folclorização4
 de
determinadas práticas urbanas, por uma culturalização de locais ou de “centros
históricos” (Cordeiro, 1997; Costa, 1999) e por uma transformação da arquitec-
tura em monumentos.
4
 Para uma análise de fenómenos que a sociologia trata genericamente como elementos do
processo de folclorização ver Pinto (1985), Silva (1994) e Costa (1999: 31 e sgs).Centros históricos e sustentabilidade cultural das cidades
219
Um dos efeitos imediatos deste processo de estetização traduz-se no facto
de as práticas quotidianas dos indivíduos ou de locais e edifícios onde a vida
normal se desenrola estarem a ser, de algum modo, encenados para adquirem o
estatuto de um produto, de um signo e de uma imagem destinados a serem
consumidos, ainda que sob a forma de um consumo meramente visual. Em
concreto, este processo de estetização, nos variados contextos urbanos em que
ocorre, revela-se num urbanismo intensivo, visível no embelezamento das
fachadas, no ordenamento das cidades, ou através da criação de eventos atractivos
que combinam o tradicional com o festivo. Com efeito, as cidades estão cada
vez mais envolvidas em projectos que visam proporcionar uma cultura urbana
baseada no usufruto do espaço público e na promoção de uma cidadania que
depende da capacidade em fazer assentar a vida quotidiana em actividades de
natureza lúdica. Ao nível das políticas urbanas, os “centros históricos” e o espaço
público estão a ser encarados como equipamentos culturais. De acordo com
José Madureira Pinto, “a verdadeira importância dos processos de patrimoniali-
zação reside, não tanto na estratégia de conservação das marcas arquitectónicas
do passado, como, sobretudo, no estímulo dado, por seu intermédio, à criação
cultural autónoma e à recuperação mais genuína da festa, a saber, a da celebração
colectiva em que todos são tendencialmente protagonistas” (1995: 192). Numa
outra dimensão não tão material o processo de estetização insinua-se, como
vimos no ponto anterior, através de um léxico e de uma iconografia de natureza
publicitária que lançam as cidades para o palco da encenação e da exibição.
Mas o processo de estetização revela-se, também, no distanciamento que
se estabelece entre uma cultura vivida ou um espaço habitado e a relação de
exterioridade que caracteriza a experiência turística. Ou seja, muitos dos aspectos
que é suposto representarem a vida quotidiana dos indivíduos ou de uma cidade
são, por via da encenação, por via da elaboração de cenografias turísticas, algo
de exterior aos residentes ou à cidade. E os estilos de vida apresentados e
vendidos aos turistas têm, frequentemente, muito pouco ou nada a ver com
aquilo que é a vida quotidiana dos indivíduos (Cf. Frias e Peixoto, 2001).
Outro dos efeitos imediatos deste processo de estetização reside no facto
de ele estender o campo do patrimonializável até ao infinito. Isto porque o
estímulo que recolhe da expansão da economia turística, leva-o a registar todos
os domínios da “memória” e da “cultura”. No limite, estamos perante uma
situação em que tudo pode ser “património”: práticas, lugares, edifícios, natureza,
gastronomia,  etc.. A consequência mais importante desta patrimonomania
(Martin-Granel, 1999) não está em ela conduzir ao crescimento e à diversificação
do volume de elementos protegidos e restaurados. Embora essa dimensão daPaulo Peixoto
220
análise seja relevante, é muito mais interessante constatar que essa fúria
patrimonialista modifica também a nossa relação à cidade, ao passado e ao
futuro na nossa qualidade de residentes numa cidade e de consumidores de
actividades de lazer. Por isso, o fenómeno actual da hiperestetização não pode,
na verdade, deixar de ser pensado fora do contexto de uma estratégia económica
voltada para o mercado do lazer e do turismo histórico e patrimonial.
As duas últimas décadas do século XX ficam marcadas, ao nível urbano,
pelos modos intencionais e espectacularizantes que as cidades põem em prática
para irradiarem sedução. É neste contexto que a estilização e o tratamento plástico
do espaço público ganham uma acuidade inusitada. Por outro lado, parece-nos
que hoje tudo se deve transformar numa experiência (Pine II e Gilmore: 1999).
Cada boutique, cada praça, cada café é, hoje em dia, concebido para se tornar
uma «experiência activa». Vai-se ao shopping-experiência não necessariamente
para fazer compras, mas para entrarmos numa espécie de desfile de carnaval
onde se ensaia uma inversão dos papéis sociais; vai-se a um restaurante-
experiência não só pelo prazer da comida, mas porque a gastronomia-experiência
se converte numa espécie de viagem e de descoberta do exótico; e, por fim,
volta-se a casa para se gozar uma residência-experiência, não só para descansar
mas para experimentar as novas tecnologias interactivas: estar no seu reduto e
ao mesmo tempo em todo o lado (Welsch, 1997). Neste contexto de transfor-
mação da vida quotidiana em actividade lúdica - porque é isso que está em
causa - o imperativo hedonista torna-se “a nova matriz cultural” e a cidade
parece converter-se numa espécie de “hipermercado de modos de vida” (Ascher,
1998), onde podemos adquirir a cada instante aquele que mais nos cativa. Os
“centros históricos” podem constituir, neste âmbito, cenografias ou elementos
de cenografias que ajudam a estilizar o espaço onde se desenrolam as trajectórias
dos indivíduos que buscam incessantemente experiências hedonistas.
A questão da sustentabilidade que aqui deve ser colocada é a de saber até
que ponto espaços que estão a ser ordenados para actividades lúdicas e de
consumo, onde os elementos locais, incluindo os indivíduos, são preservados
como atracções, são verdadeiramente sustentáveis? A animação, frequentemente
exacerbada, que parece estar a ocorrer nos “centros históricos” como expoente
de concretização dos processos de estetização, não deixa de ser o outro lado da
moeda da desvitalização. Ou seja, contra a desvitalização há uma revivificação
em parte encenada por um certo excesso de animação e recuperação voluntariosa
de tradições. Nesse sentido, torna-se pertinente perguntar até que ponto um
espaço preferencialmente votado ao turismo e ao consumo, eventualmente
repulsivo às actividades quotidianas e aos cidadãos locais, permite sustentarCentros históricos e sustentabilidade cultural das cidades
221
que estamos perante um espaço público? Além disso, do ponto de vista da
sustentabilidade financeira, o turismo, devido à sua sazonalidade e à sua enorme
sensibilidade a efeitos de conjuntura, está longe de constituir uma opção capaz
de suscitar um consenso amplo. Tanto mais que as práticas turísticas e de lazer,
mesmo quando não induzem uma carestia de vida nos locais onde se instalam,
ou uma retracção ou esvaziamento da função residencial, ou mesmo uma
segregação espacial, acabam, frequentemente, por suscitar situações de
conflitualidade, como sejam as associadas às práticas nocturnas de lazer que
interferem com os ritmos de vida dos residentes.
Intervenções urbanísticas,  centros históricos  e a nova realidade
alegórica das cidades
O urbanismo, que ganha raízes com Haussman e se solidifica com Le
Corbusier, transposta, nas suas múltiplas vertentes, uma solução científica para
o desencantamento resultante do crescimento urbano que a industrialização
fomentou. A cidade, que tinha sido promessa de libertação para muitas camadas
sociais na época pré-industrial, vai perdendo essa aura à medida que a explosão
demográfica urbana e a intensificação da suburbanização liquidam a utopia da
cidade moderna como o novo éden terrestre. A corrente progressista do
urbanismo, que se impõe no início da terceira década do século XX, propondo
uma “nova urbanidade” em que o funcionalismo é a base da satisfação social,
promete reencantar a cidade. O triunfo da filosofia da planificação das cidades
e a ambição de dominar a organização espacial por via da construção de cidades
ex nihilo traduzem o grau acabado da modernidade urbana.
Mas o insucesso do urbanismo moderno, simbolizado pelos discursos da
crise do espaço público, pelas preocupações ambientais e patrimoniais, pela
exclusão social e pelo incumprimento da “nova urbanidade”, conduz, nos anos
1980, à afirmação de uma nova filosofia de planeamento. As linhas de orientação
desta nova filosofia são dominadas pela ideia de reabilitação e de requalificação
da “cidade histórica e tradicional” em prejuízo das modalidades de planeamento
que apostavam na criação e planificação de novos espaços. Procura-se assim
refazer a cidade a partir da cidade e não a partir do nada. Na origem desta nova
orientação encontra-se a noção de “projecto urbano” que, de um modo muito
claro nos anos 1990, ganha forma, no contexto de um processo de estetização
urbana, nas noções de planeamento estratégico, cidade sustentável, espaço
público, qualidade de vida, cultura urbana, etc..Paulo Peixoto
222
O “projecto urbano”, voltado para um urbanismo intensivo, visa essencial-
mente a concepção de espaços que fomentem uma pluralidade de usos. Esta
pluralidade é a base da dinâmica desses espaços e é vista como o ingrediente
que estimula a sua apropriação social por via da fomentação de experiências
estetizantes. Assim, a política de requalificação aposta no desenvolvimento de
lugares de urbanidade que propiciem a reflexividade, a emergência de novos
valores e sociabilidades, a criação de um espaço cénico de fruição estética e
sensível e a afirmação de uma identidade caracterizada pelo espírito de lugar.
Nestes objectivos opõe-se claramente à política de criação de novos espaços e
ao urbanismo moderno, uma vez que este, fiel ao princípio da divisão mono-
funcional do espaço, baseado na quadrilogia habitar/trabalhar/divertir-se/
deslocar-se, levou a que o espaço público fosse devorado pela circulação frenética
de indivíduos e automóveis.
Os “centros históricos” reabilitados estão, em maior ou menor grau, a
converter-se em palcos de sociabilidades espectacularizadas e de encenação da
vida quotidiana, constituindo-se como uma espécie de nova realidade alegórica
das cidades. Alegoria esta que se manifesta de forma tripartida. Por um lado, os
“centros históricos” são cada vez mais apresentados como a expressão concreta
de uma ideia de espaço público que permite que a cidade seja imaginada e
transformada a partir do seu passado. Assim, sob forma figurada da imbricação
entre consumo e lazer, os “centros históricos” são uma alegoria desse espaço
público, supostamente perdido que urge recuperar. As intervenções mais voltadas
para um urbanismo intensivo, assente no desenho urbano, têm ocorrido nos
locais onde uma ideia de património se pode juntar a uma ideia de espaço público
para ser potenciada como atracção turística e de lazer. Por outro lado, a animação
crescente dos “centros históricos” e a sua turistificação, constituem e originam
expressões performativas e plásticas que pretendem sugerir ideais de cidadania
e de participação cívica. O espaço recuperado aparece assim como uma nova
plataforma de pendor artístico capaz de gerar significados sociais, como se o
visual fosse a condição fundadora de novas sociabilidades. Finalmente, os
“centros históricos” funcionam como alegoria nas situações em que o seu
esplendor e a qualidade urbanística dos seus espaços, as cores garridas das
fachadas recuperadas, frequentemente contrastando com o resto da cidade que
os envolve, os tornam uma espécie de obra de arte que representa uma ideia
abstracta de qualidade de vida. Neste âmbito, funcionam como imagem
metonímica da cidade, convidando a tomar a parte, ordenada e embelezada,
pelo todo. Este carácter alegórico tripartido levanta questões interessantes
inerentes à sustentabilidade cultural. Procuramos discuti-las no final deste ponto.Centros históricos e sustentabilidade cultural das cidades
223
Paradoxalmente, associada a uma retórica de criação de lugares e de
experiências únicas, os modelos de desenvolvimento dos centros urbanos antigos
acabam, muitas vezes, por levar a que esses espaços se pareçam cada vez mais
uns com os outros. Na verdade, sempre que um modelo de desenvolvimento
económico ou urbanístico parece funcionar num lugar, este modelo é rapidamente
importado, replicado ou até mesmo mimetizado, por outros lugares (Page, 1995),
num processo que poderíamos designar por “benchmarking urbano”.
5
 A corrida
ao estatuto de património mundial, as formas de animação, o mobiliário e os
equipamentos urbanos, as opções urbanísticas e arquitectónicas não deixam de
ser uma consequência deste efeito de reprodução em série de um modelo de
desenvolvimento urbano que, pelo menos aos olhos dos responsáveis locais,
cria novas oportunidades de afirmação das cidades, novas vantagens no domínio
turístico e comercial e novos elementos que contribuem para reforçar a identidade
local. A consequência imediata desta tendência é que, desde os anos 1990, tem
aumentado incessantemente o número de cidades históricas que estão a competir
pelo mesmo mercado turístico (Peixoto, 2000b e 2001).
Assim, do ponto de vista da sustentabilidade cultural das cidades, somos
recorrentemente confrontados com cenários urbanisticamente dissonantes. Acresce
que as inovações urbanísticas se manifestam frequentemente através de episódios
e de exemplos de retórica urbana que fazem dos “centros históricos” palcos de
sociabilidades mais ou menos encenadas e que “convertem a vida quotidiana numa
actividade comemorativa” (Jeudy, 1996). Por isso, pode dizer-se que “os centros
urbanos no seu esplendor pós-moderno são algo assim como as imponentes
cenografias operísticas em que só a contraluz (à revelia da orientação dos focos de
iluminação) deixa ver a urdidura caótica da trama” (Baptista e Pujadas, 2000:
302). Esta dissonância, quando confrontada com a descrença, partilhada por muitos,
“de que a revitalização e regeneração urbana das praças, ruas, teatros ou cafés
5
 A ideia de benchmarking desenvolveu-se, particularmente, a partir dos anos 1970, tendo-se
consolidado nos anos 1980 e 1990. A sua difusão fica a dever-se às experiências de empresas norte
americanas, nomeadamente a Xerox Corporation, onde foi adoptada como ferramenta de gestão.
Na sua essência, o benchmarking  consiste em promover a comparação e a aprendizagem com
entidades que concorrem no mesmo sector. Esta operação baseia-se em 4 processos fundamentais:
desenvolver uma percepção detalhada dos processos de trabalho utilizados; analisar os processos
dos outros, sobretudo os mais competitivos; comparar os processos utilizados com os dos outros
identificando as desvantagens; dar os passos necessários para colmatar o hiato existente, procurando
reproduzir os factores de sucesso dos processos mais competitivos. Podemos argumentar que o
benchmarking não é uma tendência assim tão nova da indústria nem sequer dos modelos urbanos
de desenvolvimento. O que é verdadeiramente relevante são a velocidade e a escala da circulação
de modelos urbanísticos globalizados.Paulo Peixoto
224
acarretará, por efeito automático, o reencantamento da esfera pública ou
semipública” (Cf. Lopes, 2002), leva-nos a questionar o papel do urbanismo e do
“projecto urbano” na promoção da sustentabilidade urbana.
Se olharmos para as tendências dominantes do design urbano em muitas
cidades portuguesas verificamos que o espaço citadino está a ser trabalhado
para favorecer as práticas turísticas e de lazer: ruas pedonais, ciclovias, frentes
de água com esplanadas (modelo Expo’98), teleféricos, e muitas outras
configurações espaciais do mesmo género. Podemos olhar para estas tendências
do  design  urbano como símbolos de uma nova economia urbana e como
indicadores das transformações em curso nas nossas cidades. Símbolos que nos
dizem tanto sobre o presente e o futuro das nossas cidades quanto as torres das
igrejas, que se elevam acima dos outros edifícios, nos dizem sobre as dinâmicas
dominantes num passado mais longínquo, ou as chaminés das fábricas, a querer
tocar o céu, nos podem dizer aquilo que já foram dinâmicas económicas e sociais
dominantes noutros tempos. A regeneração urbana em curso tem recuperado e
estetizado não só “tempos mortos”, mas sobretudo “espaços mortos” das cidades.
Ao fazê-lo, o processo de regeneração urbana pôs em marcha uma verdadeira
economia simbólica do património (Zukin, 1997). Ou seja, a patrimonialização
de inúmeros artefactos mostra a emergência de uma nova economia ligada ao
turismo e ao lazer que, mesmo não sendo dominante, simboliza o aparecimento
de novas dinâmicas sociais e económicas. A estetização em que esta regeneração
assenta levanta, porém, uma questão óbvia de sustentabilidade quando nos
encontramos perante uma política de reabilitação “fachadista” que recupera o
valor arquitectónico dos edifícios não considerando a sua função e o papel que
teve na formatação da identidade urbana. Por outro lado, quando olhamos a
cidade no seu conjunto e somos confrontados com paisagens visual e
dramaticamente dissonantes somos obrigados a questionar a sustentabilidade
urbanística das cidades em que vivemos. Esta questão torna-se tanto mais
premente e perturbante em termos de sustentabilidade ecológica quanto os
programas de reabilitação urbana se concentram exclusivamente nas áreas
urbanas consolidadas deixando de lado, à mercê da corrosão do tempo e da
especulação imobiliária, as áreas mais recentemente urbanizadas.Centros históricos e sustentabilidade cultural das cidades
225
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