33 Ciência et Praxis v. 1, n. 2, (2008)
O trabalho do Assistente Social na saúde.
Fernanda Oliveira Sarreta1
Resumo: O artigo debate o exercício profissional na construção do direito universal à saúde, com referência nas
proposições do projeto que orienta a Reforma Sanitária brasileira e do projeto ético-político do Serviço Social, que
apontam um paradigma de promoção da saúde e de compromisso com a autonomia e emancipação dos sujeitos
sociais. Analisa os limites e desafios na implantação e implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), que se
dá num contexto em que as políticas sociais são orientadas pelos ideais neoliberais, de caráter restritivo e de priva-
tização, e a saúde é tratada segundo a lógica do mercado, ferindo os princípios e as diretrizes constitucionais. E, a
participação do assistente social no processo de construção e desenvolvimento do SUS, principalmente nos muni-
cípios, onde se concretiza o trabalho por meio das ações e serviços de saúde, buscando fortalecer a perspectiva da
universalização do acesso aos programas e políticas sociais. Sobretudo, o Serviço Social se sobressai no endosso
ao reconhecimento dos fatores determinantes e condicionantes das condições de saúde, para o enfrentamento das
expressões da questão social. A profissão vem produzindo conhecimentos e alternativas para enfrentar as dificul-
dades vivenciadas no cotidiano, provocando o alargamento do trabalho profissional, que, associada à produção de
conhecimentos e constante qualificação, tem ampliado a inserção do profissional na área da saúde.
Palavras-chave: Serviço social; projeto profissional; políticas sociais; saúde pública.
INTRODUÇÃO
1
Docente da Faculdade de Serviço Social de Passos (FESP|UEMG); Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da UNESP (Franca);
Assistente Social da Saúde da Prefeitura Municipal de Franca (SP).
E-mail: fersarreta@netsite.com.br
O Serviço Social apresenta um projeto profissional
construído e legitimado pelo debate profissional, con-
templando o pluralismo como um elemento fundamen-
tal tanto da sociedade quanto do exercício profissional
para o debate de idéias e sua consolidação. Os valo-
res, idéias, opções, éticas e políticas, que caracterizam
o projeto, assinalam o compromisso com os interesses
da classe trabalhadora brasileira, portanto, antagônico
ao projeto defensor do neoliberalismo, que vem promo-
vendo a redução dos direitos sociais, a privatização do
Estado, o sucateamento dos serviços públicos, a redu-
ção das políticas sociais (NETTO, 2006). As conseqü-
ências deste processo na vida social é o desemprego, a
exclusão social, provocado pela concentração da rique-
za e da renda.
As proposições enunciadas no projeto ético-polí-
tico do Serviço Social, materializadas no Código de
Ética de 1993, convergem e refletem o movimento
da Reforma Sanitária brasileira visando efetivar a
universalidade do acesso à saúde, por meio de polí-
ticas públicas efetivas. Sua implementação destina-
se a amenizar as diferenças e injustiças instaladas na
sociedade e considerar mecanismos que permitam am-
pliar as possibilidades de acesso aos bens e serviços
produzidos. São enunciados de princípios e diretrizes
para a construção de relações com base na liberdade,
na supressão da alienação, das formas de exploração
e dominação, para a participação ativa dos sujeitos
sociais visando ao desenvolvimento da autonomia,
na perspectiva da emancipação dos sujeitos, de rup-
tura com as práticas autoritárias, centralizadoras e
assistencialistas.
O ideário que orienta a Reforma Sanitária brasilei-
ra e sustenta a construção do Sistema Único de Saúde
(SUS), tem como referência central fortalecer a descen-
El trabajo del Assistente Social en la Salud.
Resumen: El artículo debate el ejercicio profesional en la construcción del derecho universal a la salud, basado en
las proposiciones del proyecto que orienta la Reforma Sanitaria brasileña y del proyecto ético político del Servicio
Social, que apuntan un paradigma de promoción de la salud y del compromiso con la autonomía y emancipación
de los sujetos sociales. Analiza los límites y desafíos en la implantación e implementación del Sistema Único de
Salud (SUS), que sucedan en contexto en que las políticas sociales son orientadas por los ideales neoliberales, de
carácter restricto y de privatización, y la salud es tratada segundo la lógica del mercado, hiriendo los principios y
las directrices constitucionales. Y, la participación del asistente social en el proceso de construcción y desarrollo
del SUS, principalmente en los municipios, donde si realiza el trabajo por medio de las acciones y servicios bus-
cando fortalecer la perspectiva de la universalización de acceso relativos de los programas y políticas sociales.
Sobre todo, el Servicio Social se sobresale en el endoso del reconocimiento de los factores determinantes y condi-
cionantes de salud, para el enfrentamiento de las expresiones de la cuestión social. La profesión viene produciendo
conocimientos y alternativas para enfrentar las dificultades vivénciales en lo cotidiano, provocando la ampliación
del trabajo profesional, que, asociado a la producción de conocimientos y la constante calificación, han extendido
la inserción del profesional en el área de la salud.
Palabras clave: Servicio Social; proyecto profesional; políticas sociales, salud publica.34 Scientiae et Praxis v. 1, n. 2, (2008)
tralização político-administrativa, a participação popu-
lar e a concepção integral de saúde, com objetivo de su-
perar o modelo curativo, formado nos ideais capitalistas
de atender os interesses e as demandas do mercado.
Para tanto, o Movimento considera, nesse processo, as
responsabilidades do Estado na implementação de polí-
ticas sociais e de ações intersetoriais, para o desenvol-
vimento de uma política de saúde que programe ações
e medidas eficazes ao reduzir as desigualdades sociais,
na perspectiva de qualidade de vida.
A implantação e desenvolvimento do SUS no país
vêm requerendo a atuação do assistente social no pro-
cesso de (re)organização dos serviços, nas ações inter-
disciplinares e intersetoriais, no controle social, entre
outras demandas que expressam a abrangência do con-
ceito de saúde vigente, especialmente nos municípios,
que é onde se concretizam as ações e serviços de saúde,
buscando fortalecer a perspectiva da universalização do
acesso a bens e serviços relativos aos programas e polí-
ticas sociais (BRAVO, 2006).
A profissão vem produzindo conhecimentos e alter-
nativas para enfrentar as dificuldades vivenciadas no
cotidiano, provocando o alargamento da prática profis-
sional, que, associada à produção de conhecimentos e
à qualificação profissional, tem ampliado a inserção do
profissional na área e, ao mesmo tempo, vem legitiman-
do o trabalho e ampliando as possibilidades de acesso
e de inclusão social (SARRETA & BERTANI, 2006).
Sobretudo, o Serviço Social se sobressai no endosso
ao reconhecimento dos fatores condicionantes e deter-
minantes e da saúde da população – trabalho, renda,
alimentação, moradia, educação, saneamento básico,
acesso aos bens e serviços essenciais, como expressões
da questão social.
A ImPlemeNTAÇÃO DO SUS
A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma
conquista de cidadania na história da sociedade brasi-
leira que, organizadamente, participou do processo de-
mocrático dos anos de 1980, e indicou propostas para a
elaboração da Constituição Federal de 1988. Defendeu
garantias individuais e coletivas, ao estabelecer um sis-
tema de Seguridade Social abrangente e direitos univer-
sais de acesso à saúde, previdência e assistência social.
Construído como política pública universal, funda-
mentado em princípios e diretrizes de descentralização,
integralidade, participação da comunidade, equida-
de, igualdade de preservação da autonomia, o SUS é
compreendido enquanto processo, como uma reforma
social. Sua formulação aponta a responsabilidade do
Estado, da sociedade e de todas as suas instituições,
no compromisso para que a saúde seja reconhecida, ao
mesmo tempo, como direito de todos e dever do Estado,
e um recurso para o desenvolvimento social, econômi-
co, político e cultural do país.
Ao pensar o SUS, como política pública de Estado
criada num contexto capitalista totalmente adverso, e,
em sua implantação que se inicia no final nos anos 1980
e se expande na década de 1990, há de se considerar que
esse processo se dá num momento de fortalecimento do
neoliberalismo, que assinala uma perspectiva restrita do
papel do Estado e de justiça social. Ao ser priorizado
o mercado financeiro, provoco-se a estagnação econô-
mica e a concentração de riqueza e, conseqüentemente,
aumentou a pobreza e o agravamento das condições de
vida da população.
Para Behring & Boschetti (2006), a compreen-
são da natureza e do papel do Estado no capitalismo
é fundamental para atuação nas políticas sociais, que,
por mais que tenham a função de reduzir as injustiças e
desigualdades sociais, produzem efeitos excludentes a
grandes parcelas da população. Na atualidade, apontam
uma contra-reforma da Constituição Federal, que mes-
mo resultando de um amplo movimento da sociedade
brasileira e de um exercício para a busca de cidadania,
visando à garantia de direitos civis, políticos, sociais,
enfrenta esse momento de inflexão do Estado demo-
crático. Um aspecto significativo, nesta análise, é que
a implantação da Constituição no Brasil, e de suas po-
líticas públicas previstas, se dá num momento em que
mundialmente as políticas sociais seguem a perspectiva
e os princípios neoliberais. Portanto, o reconhecimento
da saúde como direito universal não significou a ruptura
esperada, porque não conseguiu transformar, ao menos,
o modelo de atenção proposto, que predomina curativo,
centrado nas doenças e especialidades.
A conquista dos direitos sociais na sociedade capi-
talista deve ser repensada em sua relação permanente
de transformação, das maneiras de estabelecer as rela-
ções e as próprias políticas sociais. Isto para que não
sejam orientadas apenas pela política econômica res-
tritiva, mas que, ao serem estabelecidas, reduzam as
desigualdades e apontem perspectivas de investimento
no desenvolvimento dos sujeitos sociais (BEHRING &
BOSCHETTI, 2006). Refletir a dimensão de produção
e reprodução das políticas sociais é um dos desafios
a serem enfrentados, para que o assistente social atue
também como um sujeito articulador do processo or-
ganizativo. Desvendando os mecanismos postos pelo
ideário neoliberal, seu funcionamento, sua complexi-
dade e contradições, o assistente social direciona seu
trabalho na busca de estratégias que fortaleçam a saúde
como direito universal, e ainda, para que este momento
histórico coletivamente regressivo leve a ter uma atitu-
de inconformista e sirva para alimentar o otimismo, a
vontade de desconstruir e transformar.
O compromisso crítico com a contínua reformu-
lação dessa política pública de Estado, que é o SUS,
pode levar o assistente social a pensar a maneira que
trabalha com os direitos sociais, visando transformar a
sociedade de assistidos em uma sociedade emancipató-
ria, que reduz as desigualdades pela via da inclusão, de 35 Sarreta, 2008
empregos, de renda digna, que transforma as condições
de vida e a própria condição dos sujeitos sociais.
O conceito ampliado de saúde, como decorrência
das condições de vida e de trabalho da população, está
fundamentado no reconhecimento dos aspectos sociais,
econômicos, políticos, culturais, determinantes do pro-
cesso saúde-doença. As expressões da questão social na
área da saúde revelam-se assim, nas desigualdades so-
ciais, e conseqüentemente, incidem nos grupos sociais
com menor renda. Para Cohn (2005), as pessoas que
menos possuem estão mais propensas ao adoecimento,
em decorrência dos fatores condicionantes da qualidade
de vida, e das dificuldades de acesso ao tratamento e aos
recursos físicos e materiais necessários para ter saúde,
incluindo o transporte e a distância da moradia aos ser-
viços públicos.
A abordagem leva a considerar a análise de Pereira
(2000) ao ressaltar que as necessidades básicas – saúde,
educação e renda, são pré-condições para que as pes-
soas consigam atingir qualidade de vida. Quando essas
condições não forem adequadamente satisfeitas podem
ocorrer prejuízos que comprometem o desenvolvimen-
to humano, pois estão diretamente relacionados às situ-
ações que colocam em risco a possibilidade objetiva de
viver física e socialmente e expressar a capacidade de
participação ativa na sociedade.
Estes são elementos de análise necessários para se-
rem considerados pelo assistente social, ao participar
na formulação e desenvolvimento das políticas sociais
na área da saúde. O referencial teórico e metodológico
comprometido com as necessidades sociais e os inte-
resses coletivos, visa a ampliar a perspectiva ética na
garantia de direitos e elevar o nível de vida da popu-
lação. Há que se considerar também, neste contexto,
o resgate das relações sociais desumanizadas, arquite-
tadas cotidianamente pela aspereza do individualismo
e da competitividade capitalistas, e que se expressam
no sofrimento humano como adoecimento, doença, in-
certezas e dores, e na falta de perspectivas associada à
precariedade na qualidade do atendimento oferecido e
desinteresse com a vida humana.
Nesta análise, é importante considerar que a regu-
lamentação do SUS estabelece as responsabilidades do
Estado para prover as condições indispensáveis para o
exercício pleno do direito à saúde e à erradicação das
causas sociais que interferem nela. Ao enfocar a inte-
gralidade da assistência, “entendida como um conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços preventivos
e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
caso em todos os níveis de complexidade do sistema”
(BRASIL, 1990, art. 7º), indicou o princípio básico
para a organização desse processo. As medidas para a
implantação definitiva do SUS encontrou na descentra-
lização político-administrativa, que indica a regionali-
zação e a municipalização com a finalidade de facilitar
o acesso da população às ações e serviços de saúde, os
limites e as dificuldades provocados pela redistribuição
de poder, competências e recursos.
A construção da rede hierarquizada na saúde não
tem conseguido se efetivar e superar a implantação
heterogênia, entre outras questões, colocadas pelas di-
versidades locais e regionais, sociais, políticas e admi-
nistrativas. Conforme se defendeu em estudo anterior
(SARRETA & BERTANI, 2006), o que teoricamente
possibilitaria um nível de organização social favorável
para a introdução das ações de saúde propostas a po-
pulação, encontra explicações no senso comum, como
uma “fase inicial” de implantação da política de saúde.
Leva-se em consideração que o SUS saiu de sua adoles-
cência e completa 20 anos em 2008: tempo demais para
quem dele precisa, tempo de menos para imprimir uma
mudança de direção social tão radical.
Esse momento atual de redefinir e repensar a prática
do SUS, principalmente em razão das situações apre-
sentadas nos serviços de saúde oferecido, é indispensá-
vel que a sociedade brasileira reconheça o SUS como
um projeto em construção; um modelo de atendimento
que traz em sua constituição a idéia de cidadania e de
justiça social, a ser implantado em uma sociedade in-
justa e desigual. Abranger a amplitude de sua cobertura
é fundamental para a consolidação plena, o que não se
dará espontaneamente: exige a participação e uma vigi-
lância constante em defesa dos direitos sociais tão du-
ramente conquistados. A política pública de saúde, para
Campos (1997; 2007), traz em sua constituição a idéia
de inclusão social, um projeto alternativo de sociedade
para que seja mais justa, igualitária, solidária, mas tem
sofrido fortemente os impactos das orientações neoli-
berais. A saúde da população brasileira tem sido tratada
como mercadoria, orientada pela política econômica
com predomínio do modelo tradicional hegemônico,
centrado na doença e fragmentado enquanto ação. Em
outras palavras, a doença é um objeto que gera lucros,
um setor privado economicamente viável.
As proposições para a Reforma Sanitária brasileira,
na análise de Bravo (1996, p. 4), estão dirigidas basi-
camente “à construção de uma nova política de saúde
efetivamente democrática [...]”, apresentando a cidada-
nia como um componente central e a descentralização
do processo decisório como caminho para a democra-
tização do poder local através de novos mecanismos
de gestão. As referências que subsidiam estas propo-
sições foram enunciadas na Declaração de Alma-Ata,
apontando novas concepções na investigação de uma
abordagem diferenciada, a fim de extrapolar a direção
concentrada na doença e realçando a importância dos
fatores condicionantes da saúde. O novo paradigma
apontado pela Declaração enfoca a promoção da saúde
1
BRASIL. Ministério da Saúde. Lei Orgânica da Saúde nº 8080/90. Brasília, 1990.36 Scientiae et Praxis v. 1, n. 2, (2008)
na direção da autonomia das pessoas, da participação
da comunidade, do meio ambiente sustentável e a utili-
zação de tecnologia acessível todos os governos, como
caminhos para atingir qualidade de vida para todos os
povos (OPAS, 1978).
A atenção primária à saúde2
foi adotada como es-
tratégia no desenvolvimento dessa ação, e compreende
a educação sobre os principais problemas de saúde e
sobre os métodos de prevenção correspondentes. Entre
outros elementos fundamentais, destacou os alimentos
e nutrição apropriada, água potável e saneamento bási-
co, assistência materno-infantil, imunização contra as
principais enfermidades infecciosas, prevenção contra
enfermidades e traumatismos comuns e disponibilidade
de medicamentos essenciais. Nesta referência, a orga-
nização e funcionamento da atenção primária estabe-
lece uma postura de planejamento voltada para a auto-
responsabilidade e a participação de todos os setores
e campos de atividade associada ao desenvolvimento
nacional e comunitário. Em especial, questiona o setor
agropecuário, o de alimentação, da indústria, da educa-
ção, da habitação, de obras públicas, de comunicações
etc., exigindo esforços coordenados de todas as áreas,
pois expressam a relação dos cuidados primários de
saúde com o desenvolvimento econômico, social, polí-
tico e cultural do país (STARFIELD, 2002).
Esta concepção, na medida em que amplia a visão
do cuidado em sua dimensão setorial e o envolvimento
da própria população, extrapola o campo de ação dos
responsáveis pela atenção convencional dos serviços e
valoriza a saúde como um componente central do desen-
volvimento humano. Ao identificar a saúde como “um
recurso para a vida”, traz ao conceito um enfoque que
valoriza as capacidades pessoais, sociais, emocionais,
políticas, culturais, uma vez que depende de recursos
interligados e influenciados, como justiça social, paz,
respeito, ecossistema estável, o que leva a considerar
a necessidade de repensar os valores que estão direcio-
nando e organizando a vida em sociedade.
Desse modo, o direcionamento das políticas pú-
blicas saudáveis e a criação de ambientes favoráveis à
saúde, associados à reorientação do sistema de saúde no
paradigma para a promoção da saúde, indicado na Carta
de Ottawa, é o “[...] processo de capacitação da comu-
nidade para atuar na melhoria de sua de vida e saúde,
incluindo a participação no controle deste processo
[...]”. (BRASIL, 2002, p.19). Esse caminho aponta para
a diminuição das iniqüidades na saúde, enraizada nas
desigualdades existentes na sociedade. Para superá-las
requerem-se políticas públicas que busquem incremen-
tar o acesso das pessoas a bens e serviços promotores de
2
“É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico
global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando
a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de
atenção continuada à saúde” (STARFIELD, 2002, p. 31).
3
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Atribuições do assistente social na saúde. Resolução de nº 383 de 29 de março de 1999.
saúde, estabelecendo-se alta prioridade aos grupos mais
desprivilegiados e vulneráveis, como analisa o próprio
Ministério da Saúde (2002), particularmente quanto aos
cuidados primários, um aspecto vital para a eqüidade
em saúde. A busca de soluções e a construção de parce-
rias intersetoriais são, portanto, alternativas para iden-
tificar interesses comuns e resolver problemas, influen-
ciando positivamente na participação ativa das pessoas,
nas alterações das condições sanitárias e na maneira de
viver, constituindo uma cultura de saúde.
O ASSISTeNTe SOcIAl NA cONSTRUÇÃO
DA POlíTIcA PúblIcA De SAúDe
O assistente social dispõe de atribuições específicas
na área da saúde3
, o que constitui um instrumento im-
portante na construção de estratégias para o exercício
profissional e na busca de alternativas visando ao aten-
dimento das necessidades sociais apresentadas pelos
usuários nos serviços de saúde. As atribuições ressaltam
a perspectiva interdisciplinar para a atenção integral,
juntamente com ações intersetoriais e comunitárias que
se aproximem do cotidiano da população e ampliem o
conhecimento da realidade local e regional. O incre-
mento de estratégias programadas em equipe possibilita
a compreensão da saúde pela sociedade como direito e
questão de cidadania, e fortalece o paradigma que con-
sidera a saúde um elemento central da organização e
desenvolvimento social, econômico e político do país.
Neste contexto, ao analisar criticamente o enfren-
tamento das desigualdades sociais e o direcionamento
das políticas públicas para a construção da saúde como
direito, o assistente social pode contribuir efetivamente
na criação e implementação de políticas e programas
que apresentem mecanismos, procedimentos e ações
para o acesso à saúde e às instituições, e assim, aos bens
e serviços produzidos pela sociedade. Isto pode ser efe-
tivado socializando informações e instrumentalizando
os usuários acerca dos direitos e do acesso às institui-
ções, do funcionamento institucional e da legislação
referente ao coletivo (IAMAMOTO 2001; BRAVO,
2006). O conhecimento das novas formas de produção
e reprodução da questão social tendo como suporte a
contribuição científica e o uso de tecnologias em saúde
apresenta-se como caminho para desenvolver o hábito
da práxis, a leitura e a constatação empírico-teórica da
realidade, de suas contradições internas e da própria so-
ciedade.
Assim, o reconhecimento do Serviço Social como
profissão da área da saúde vem-se construindo através
da inserção nas políticas e programas de saúde desde o 37 Sarreta, 2008
seu surgimento. Martinelli (2000) ressalta que esta rela-
ção é constitutiva na construção da identidade da profis-
são no país, fortalecida na defesa do SUS como política
pública que apresenta uma idéia do social coerente com
os princípios do Serviço Social. Este reconhecimento se
deu também, vale ressaltar, pelo Conselho Nacional de
Saúde (CNS) através da Resolução de nº 218 de 03 de
março de 1997, que reafirmou o assistente social como
profissional da saúde e delegou ao Conselho Federal de
Serviço Social (CFESS) sua caracterização. Entre as
atribuições descritas, o CFESS (l999, p.1) assegura que
a profissão não é exclusiva da saúde, “[...] mas qualifica
o profissional a atuar com competência nas diferentes
dimensões da questão social no âmbito das políticas so-
ciais, inclusive da saúde”, e que:
[...] a partir da 8a. Conferência Nacional de Saúde, um novo con-
ceito de saúde foi construído, ampliando a compreensão da relação
saúde-doença, como decorrência das condições de vida e de trabalho;
[...] atribui-se ao assistente social, enquanto profissional da saúde, a
intervenção junto aos fenômenos sócio-culturais e econômicos que
reduzam a eficácia dos programas de prestação de serviços nos níveis
de promoção, proteção e/ou recuperação da saúde; [...] em sua práti-
ca profissional contribui para o atendimento das demandas imediatas
da população, além de facilitar o seu acesso às informações e ações
educativas para que a saúde possa ser percebida como produto das
condições gerais de vida e da dinâmica das relações sociais, econô-
micas e políticas do País; [...] para a consolidação dos princípios e
objetivos do Sistema Único de Saúde, é imprescindível a efetivação
do Controle Social e o Assistente Social, com base no seu compro-
misso ético-político, tem focalizado suas atividades para uma ação
técnico-política que contribua para viabilizar a participação popular,
a democratização das instituições, o fortalecimento dos Conselhos de
Saúde e a ampliação dos direitos sociais [....].
Ao valorizar a perspectiva interdisciplinar, a fim de
garantir a atenção a todas as necessidades da população
usuária na mediação entre seus interesses e prestação
de serviços e, ao desenvolver as diversas atividades e
ações na área da saúde – plantão, avaliação sócio-eco-
nômica, assistência material, entrevista, trabalho com
grupos, visitas domiciliares e outras, o Serviço Social
ajuda a população a ter acesso ao SUS. É o que pode ser
observado em diversos aspectos associados e referen-
ciados no projeto ético-político profissional. Um des-
tes aspectos se dá pela facilidade de acesso do usuário
ao assistente social nas unidades de saúde, observado
no acolhimento, na escuta diferenciada, na divulgação
e informação dos programas coordenados e desenvol-
vidos pelo profissional. Outro aspecto é o desenvolvi-
mento da capacidade de identificação das demandas no
âmbito da saúde, e de extrair destas demandas as reais
necessidades sociais e de saúde, apontando a formula-
ção e execução de políticas sociais, projetos e progra-
mas, como um direito.
São procedimentos significativos no cotidiano, que
se aperfeiçoam pela busca de conhecimento e de apri-
moramento técnico-operativo e teórico-metodológico
com vista ao fortalecimento do trabalho. E, são funções
e respostas que a profissão vai desenvolvendo, em ra-
zão das necessidades apresentadas pela população, que
acabam influenciando as demandas institucionais, bem
como, o papel da profissão na saúde, e que dá legitimi-
dade para o projeto profissional, de superação da situa-
ção atual. É nesta intencionalidade de superação da ex-
ploração que está posta a capacidade de transformação.
O desempenho profissional, assim como os aportes
teóricos, metodológicos e ideológico está marcado pela
busca de uma referência para subsidiar a análise da re-
alidade considerando sua historicidade. Isto autorizou
à profissão constituir uma interlocução com as ciências
sociais e outras áreas do conhecimento, na análise de
Netto (2006), adotando a formação generalista que per-
mite responder às demandas da realidade social. Pos-
sibilita ainda apreender as questões sociais com uma
base teórico-metodológica direcionada à compreensão
dos processos relacionados à realidade brasileira, no
contexto onde se gestam as políticas sociais, inclusive a
da saúde. Portanto, a instrumentalidade construída pelo
Serviço Social considera o movimento da realidade,
dado através das condições para o desenvolvimento das
capacidades profissionais, da busca ao conhecimento, e
de circunstâncias construídas para uma formação que
apreendeu e internalizou a vontade ativa dos profissio-
nais, na participação e organização da categoria.
Esse momento de contra-reforma, que desconstrói
os direitos assegurados na legislação e reduz as polí-
ticas sociais no país, leva o Serviço Social a refletir e
buscar novos caminhos para a conquista do direito uni-
versal e integral à saúde, do acesso e da qualidade do
atendimento, orientando-se pelos princípios e diretrizes
assinaladas. Ao imprimir uma postura investigativa no
trabalho, o assistente social fortalece a atividade pro-
fissional determinada e influenciada pela realidade so-
cial; e, ao valorizar a atividade científica por meio da
pesquisa, gera dados ligados às condições de vida da
população, à reprodução das relações sociais, à imple-
mentação das políticas sociais.
As informações de experiências desenvolvidas e so-
cializadas podem contribuir na elaboração de propostas
mais apropriadas às necessidades sociais. A amplitude
deste processo se alcança com observação constante e
registro sistemático dos aspectos da realidade que se
manifestam por meio dos processos sociais, na orga-
nização do conhecimento dado pela experiência, tor-
nando-o mais legítimo. Ao mesmo tempo, transforma o
exercício profissional e valoriza seu significado junto às
demandas sociais, buscando estratégias que atualizam,
revitalizam e redirecionam o trabalho. A reflexão críti-
ca realimenta a própria condição do trabalho, contribui
para desenvolver o potencial criativo e a capacidade de
transformar seu direcionamento, como analisam Almei-
da (2006) e Marsiglia (2006).
A adoção destes elementos nas experiências vi-38 Scientiae et Praxis v. 1, n. 2, (2008)
venciadas pode contribuir para que os profissionais
desenvolvam seu potencial criativo e a capacidade de
transformar o direcionamento do trabalho. O aprofun-
damento científico sobre os determinantes do trabalho
profissional e dos instrumentos próprios da profissão,
ajuda na elaboração de propostas mais apropriadas às
necessidades sociais. A oportunidade de experimentar
novos caminhos para a autonomia no exercício profis-
sional pode dimensionar o trabalho do assistente social
no SUS, ao adotar atitudes no cotidiano para exercitar
a prática contínua de documentação do trabalho, pla-
nejamento em equipe, visando ao desenvolvimento de
ações e programas com critérios para a inclusão social
dos usuários. A organização de um plano de trabalho
como subsídio, que compreenda as etapas e conteúdos
do processo científico (objetivos, metodologia, resulta-
dos alcançados e avaliação), o estudo e elaboração de
instrumental e procedimentos adequados à realidade e
local de trabalho, é alternativa para ampliar a atuação e
desenvolver formas de atuação efetiva nos Conselhos
de direitos, como espaço legítimo que favorece o con-
trole social dentro do SUS.
A construção da práxis fundamenta-se a partir des-
te contato com a realidade social, suas contradições e
possibilidades. Na dialética da práxis, o trabalho é in-
fluenciado pelo senso comum, com saber acrítico, ime-
diatista, marcado pela falta de profundidade. É quando
a ausência da revisão, com conteúdos teóricos em con-
fronto com a prática, pode levar ao desprezo de instru-
mentos e técnicas apropriadas ao exercício profissional,
produzindo um caráter assistencialista e empírico ao
trabalho, distanciando-o dos critérios de cientificidade
da ação profissional.
A formação profissional permanente para atualiza-
ção e fortalecimento do referencial teórico-metodoló-
gico e instrumentalização da análise e da intervenção
na realidade social torna-se uma necessidade pontual.
Realiza-se como um processo de reflexão-ação acerca
dos limites, dos avanços e da contribuição efetiva da
profissão na área da saúde imprimindo-lhe maior visi-
bilidade institucional e social.
O exercício profissional fundamentado nessa pers-
pectiva de direitos coletivos envolve uma dimensão
política, ética e técnica, na busca de alternativas para
contribuir com o processo de democratização dos servi-
ços públicos. Entretanto, o projeto ético-político não se
defende apenas com argumento teórico, é nas relações
estabelecidas que se materializa.
A postura dialogada como um caminho promissor
para refletir as questões acerca da realidade social, bus-
ca encontrar alternativas para materializar os princípios
e as diretrizes do Serviço Social e da Reforma Sanitária
brasileira. Para Iamamoto (2001), as possibilidades es-
tão dadas na realidade, mas não são automaticamente
transformadas em alternativas profissionais; cabe aos
assistentes sociais apropriarem-se dessas possibilidades
e, como sujeitos, transformá-las em projetos de traba-
lho.
A prática educativa é inerente à atividade profissio-
nal do assistente social, que acumula experiências na
dinamização de ambientes coletivos, na realização de
grupos, na democratização dos espaços institucionais e,
como subsídio que fortalece o controle social, a parti-
cipação e a construção do processo democrático dentro
dos serviços de saúde. Contudo, na prática educativa a
instrumentalização política e intelectual dos sujeitos não
garante sua emancipação, solicita que sejam reflexivas,
dialogadas, participativas, organizativas e informativas,
direcionadas para uma aprendizagem significativa, tan-
to dos usuários como dos profissionais do SUS.
cONSIDeRAÇõeS fINAIS
Embora a consolidação do SUS e sua avançada
proposta de reforçar a participação da sociedade e a
descentralização dos serviços, apresentam-se como
um novo caminho para se construir a saúde, observa-
se os limites das iniciativas públicas voltadas à im-
plantação definitiva do conceito ampliado de saúde,
ainda não completamente elaborado e compreendido
pelos sujeitos envolvidos nesta área e pela sociedade
em geral. Sobretudo, esse esforço de ruptura e supera-
ção do modelo curativo não se realiza de forma sim-
plista, pois representa em si uma quebra dos paradig-
mas tradicionais da saúde.
Ao se referir às forças da sociedade para uma mo-
bilização reformista de implantação definitiva do SUS,
cabe refletir sobre a adesão dos sujeitos sociais como
protagonistas. Dentre esses, o mais vulnerável e que
tem sido constantemente vitimizado como objeto de
um atendimento precário em suas doenças tem sido o
usuário do sistema público de saúde. Assim, não se tra-
ta apenas do desconhecimento do projeto que orienta o
SUS, mas principalmente de uma profunda e arraigada
descrença no inespecífico setor público.
A idéia social deste sistema de saúde, por par-
tir do pressuposto da universalidade de acesso e da
atenção integral da saúde como direito, surge como
conflitante ao modo de vida e de produção predomi-
nante hoje na sociedade capitalista: desigual, indivi-
dualista e excludente.
A implantação definitiva do SUS no país exige novas
formas de se pensar e praticar democracia (CAMPOS,
2007). Não há solução possível para a saúde de todos
os brasileiros que não passe pelas novas propostas de
revisão “do modo de fazer saúde”, e exige também o
envolvimento e a responsabilidade de todos os setores
da sociedade.
Uma focalização prioritária na atenção primária e
na prevenção tem sido destacada como caminho para se
conseguir implantar os ideais de universalização, parti-
cipação comunitária e atendimento integral visando a
promoção da saúde. O que leva novamente a confirmar 39 Sarreta, 2008
a necessidade dos novos arranjos para a sobrevida do
SUS e as ações que o envolvem, entendendo saúde con-
dicionada e, assim intrinsecamente determinada pelas
condições de vida e de trabalho. Implica na decisão
do investimento político em um bem social que por sua
profundidade nos resultados e pela amplitude da abran-
gência na vida da população pode ser considerada um
bem maior, a saúde. Esta ausência de priorização (da
saúde) na sociedade ocorre, freqüentemente, sem que
qualquer debate tenha sido realizado e os determinantes
sociais da saúde tenham sido exigidos com ênfase pela
população.
O caminho apontado para implementação do SUS
se dá pela observância das diretrizes básicas que o sus-
tentam: descentralização por níveis de complexidade da
saúde/doença, integralidade do atendimento e participa-
ção da comunidade. A consistência do elo estabelecido
entre as parcelas significativas da sociedade para a ga-
rantia da saúde pública é fundamental. Por meio desta
integração são ampliadas as parcerias, desenvolvidas
formas de co-responsabilidade social e criados espaços
para a troca de experiências e dos saberes existentes;
torna-se elemento facilitador da organização da popu-
lação, em conformidade às necessidades dos serviços
públicos locais e regionais.
A ação crítica e reflexiva do assistente social sobre o
cotidiano ajuda a produzir novas possibilidades, a expli-
citar interesses divergentes e apontar projetos alternati-
vos. A busca constante de respostas para problemas que
impedem a saúde e a qualidade de vida fundamenta-se
na capacidade de considerar que a realidade pode ser
(re)construída e transformada, num constante compro-
misso com a vida humana, onde o trabalho profissional
é uma fonte para gerar impactos positivos no nosso co-
tidiano. Deste modo, a intervenção prática e teórica do
Serviço Social no SUS é fortalecida na proposição de
caminhos para o desenvolvimento da autonomia e da
emancipação, visando ampliar as oportunidades de es-
colhas dos sujeitos sociais e o acesso aos recursos para
um padrão de vida digno.
RefeRêNcIAS bIblIOgRáfIcAS
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