sexta-feira, 29 de julho de 2011

Atividades de Trabalho Remuneradas Desenvolvidas por Detentos

Estudo das Atividades de Trabalho Remuneradas Desenvolvidas por Detentos: O Caso
da Penitenciária Estadual de Maringá
* Maria Iolanda Sachuk 
** Alfredo Lopes da Costa Moreira Neto

*Professora doutora, Departamento de Administração da UEM
E-mail: misachuk@uem.br
**Vice-Diretor da Penitenciária Estadual de Maringá, mestre em Administração PPA/UEM/UEL
E-mail: alcmneto@pr.gov.pr

Resumo:

A questão carcerária sempre fez parte da pauta de discussão nos mais diversos segmentos da
sociedade. No Brasil, uma das conseqüências mais graves desse problema é o alto índice de
criminalidade observado diariamente. O presente artigo tem por objetivo identificar as
atividades de trabalho remuneradas desenvolvidas pelos detentos na Penitenciária Estadual de
Maringá - PEM e revelar se, na concepção dos presos e da direção da PEM, estas atividades
coadunam com os objetivos prescritos no artigo 28 da Lei de Execução Penal, Lei nº. 7210, de
11 de julho de 1984. Os dados mostram que a PEM está em sintonia com o que a sociedade
idealizou para esse tipo de instituição na  atualidade: ao mesmo tempo em que existe o
exercício do controle e da dominação, há também um discurso que tem como proposta a
possibilidade de ressocialização do preso.

Palavras-chave: Instituições Totais, Lei de Execução Penal, Presídios, Trabalho.


A Study of Paid Labor Activities Developed by Jailed People: The Case of State Prison
of Maringá

Abstract:

Prison issues are always on the discussion list among the various sections of society. One of
the problem’s most serious consequences in Brazil is the daily high crime rates. Current essay
identifies paid labor activities undertaken by jailed peoples in the State Prison of Maringá
(SPM) and discusses whether jailed people and the SPM administration admit that such
activities meet the aims prescribed by Article 28 of Penal Law, Law 7210 of the 11th
 July
1984. Data show that SPM is fine-tuned to what the community imagined for such current
institutions. Control and domination coexist with a discourse on the possibility of the re-
socialization of jailed people. 

Key words: Total Institutions, Penal Law, Prisons, Labor.


Introdução

O sistema prisional brasileiro tem sido foco de  atenções nos últimos anos e os estudos em
relação às várias áreas que o abrangem têm sido intensificados pela importância que é uma
instituição prisional no contexto social  em que está inserida. O que regulamenta o
funcionamento de toda essa estrutura é  a Lei de Execução Penal (BRASIL n.º 7.210, de
11/07/1984).
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A LEP – Lei de Execução Penal determina como deve ser executada e cumprida a pena de
privação de liberdade e restrição de direitos, privilegiando, além do pagamento da dívida
social do apenado, a idéia da reabilitação, o que, sem dúvida, demanda uma estrutura
composta por pessoas e outros recursos que nem sempre correspondem às expectativas e
exigências de tão complexa missão.

Não é segredo que o sistema prisional, de forma geral, apresenta estrutura arcaica e pessoal
nem sempre bem preparado para atuar vislumbrando algo além da custódia, resultando no que
se vê constantemente na mídia: o caos do sistema evidenciado sob a forma de rebeliões,
mortes e depredação. Dessa forma, esses e outros problemas ocorrem pelas (nem sempre
ideais) condições de funcionamento da maioria das prisões e também em função da carência
de escolas penitenciárias para a formação de pessoal com competência para exercer a função,
acima de tudo, de educador junto aos encarcerados.

De acordo com informações do Departamento Penitenciário Nacional, em dezembro de 2004
havia cerca de trezentas e trinta e seis mil pessoas presas no país (PARANÁ, 2005). Segundo
Silva (2001), o principal segmento das prisões é constituído por  pessoas provindas das
camadas mais pobres da sociedade, cujos sujeitos geralmente apresentam baixa escolaridade,
célula familiar desestruturada, desqualificação profissional, participação precária no mercado
de trabalho, dentre outras características.  Isso faz com que, mesmo depois de pagar à
sociedade pelos erros cometidos, muitos deles tenham dificuldades para se reinserir
novamente nela, após o cumprimento de suas penas.

Com isso, a utilização do trabalho remunerado, não como forma de punição, e sim de
recuperação do preso, tem sido muito discutida e gradativamente implementada em diversos
presídios, como é o caso da Penitenciária Estadual de Maringá - PEM.

Diferentes formas, no Brasil, de utilização de mão-de-obra carcerária podem advir de quem
cumpre pena em regime fechado, tanto a partir de trabalho a ser realizado dentro das unidades
penais, como fora - no caso da realização de obras públicas; e em regime semi-aberto, nas
penitenciárias industriais, penitenciárias agrícolas e trabalhos externos para empresas privadas
e outras entidades. 

Na PEM isso ocorre na primeira situação,  ou seja, para quem cumpre pena em regime
fechado. Na atual concepção da LEP, faz parte das diretrizes gerais a questão do trabalho para
o preso não como punição, mas sim como processo de reeducação, geração de renda e
produção. Além disso, a cada três dias trabalhados o preso obtém a remissão de um dia de
pena, o que pode ser visto nos artigos da LEP n.º 7.210, de 11/07/1984, transcritos abaixo:

Art. 28. O  trabalho do condenado,  como dever social  e condição de
dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. Art. 29. O trabalho
do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a
¾ (três quartos) do salário mínimo [...]. Art. 126. O condenado que cumpre a
pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do
tempo de execução da pena. §1º A contagem do tempo, para o  fim deste
artigo, será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho.

Sendo assim, sem que se desvirtue o propósito punitivo da condenação criminal, o que a
legislação atual busca é a viabilização de um processo de socialização do apenado, dando-lhe
a perspectiva de formação profissional para que, no futuro, quando do retorno à sociedade, o
mesmo possa trabalhar em empresas ou criar seu próprio negócio. Com base nesse contexto,
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buscou-se, a partir da realização de uma pesquisa, responder à seguinte indagação: na
concepção dos detentos e da direção da PEM, as atividades de trabalho remuneradas
desenvolvidas por presos coadunam com os objetivos prescritos no art. 28 da Lei 7.210, de
11/07/1984? 

Para tanto, o artigo está dividido em cinco partes: a primeira, composta por esta introdução,
seguida por uma breve discussão teórica sobre organizações, instituições totais e presídios.
Em seguida, são apresentados os procedimentos metodológicos utilizados para a realização da
pesquisa de campo que deu origem a este artigo. Os dados coletados são apresentados e, por
fim, são expostas as conclusões do trabalho.

Definindo Organizações

Não se pode ignorar o fato de que as organizações existem, mas a razão de estarem presentes
no mundo atual de forma cada vez mais atuante e inseridas no contexto social aponta para a
necessidade de estudá-las tanto em termos de sua dinâmica de funcionamento como também
na questão do relacionamento com a sociedade. Quando se questiona sobre a razão de se
compreender e estudar as organizações, as respostas que se apresentam são cada vez mais
evidentes, pois as organizações acabam por  envolver o homem, de forma dominadora, em
todo o curso de sua existência.

Para Hall (2004), é intensa a presença das organizações na vida do homem e é impossível
evitá-las, tal qual a morte ou o pagamento de impostos. Estudar as organizações, portanto, não
se trata de um simples exercício acadêmico, já que, estejam elas em que nível for, sempre
serão peças importantes nos processos de mudanças sociais, a exemplo do que vem ocorrendo
ao longo da história.

As indagações sobre o porquê da existência das organizações têm orbitado sobre a afirmação
de que na realização de tarefas, geralmente, o esforço coletivo alcança resultados melhores
que o individual. Quanto ao entendimento sobre as organizações, as definições servem para
que se tenha uma base referencial, em busca da compreensão daquilo que se pretende estudar.
Pois, a esse respeito, as organizações, já há longo período, têm sido avaliadas e discutidas por
autores clássicos como Max Weber, Chester Barnard, dentre outros.

Sobre Weber e Barnard,  Hall (2004)  faz uma síntese sobre suas respectivas reflexões a
respeito de organizações. O autor inicia com Weber, que se destaca pelas suas considerações
sobre burocracia e autoridade, além de seu reconhecido empenho na definição de organização.
Hall (2004), então, mostra que Weber, ao apresentar sua concepção sobre organização,
enfatiza o que denominou de grupo corporativo,  a fim de demonstrar uma relação social
fechada, cujo acesso de novos ingressantes está vinculado a uma complexa relação de
hierarquia, autoridade e vontade dos membros (chefes/superiores) em suas funções usuais e
específicas, inerentes aos objetivos do trabalho.

Além disso, as organizações possuem pessoas interagindo, desenvolvendo relações sociais, e
a idéia de grupo corporativo é ratificada quando fica claro que sua relação inclui alguns
segmentos da população e exclui outros. A visão de Weber,  além do grupo corporativo,
abrange também o fato de que nas organizações nada acontece por acaso, e que as interações
ocorrem por meio de associações formais, ao invés de associações comunitárias como
normalmente acontece na sociedade. Portanto, padrões de interação ocorrem entre os
membros das organizações de forma legítima, em busca do alcance de objetivos
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estabelecidos. Sua idéia de que as organizações são criadas para cumprir uma finalidade, fazer
algo, é ainda hoje considerada pelos estudiosos e analistas da área (HALL, 2004).

Já Barnard, mesmo apresentando pontos em comum com o pensamento de Weber, desenha
uma perspectiva diferente em que o papel do indivíduo é evidenciado, partindo das
articulações entre duas ou mais pessoas em busca de um propósito comum. Sua concepção
sobre organização parte do pressuposto de que os indivíduos que a compõem (membros do
sistema) é que devem ser focados, pois são os responsáveis em comunicar-se entre si e tomar
decisões, enquanto Weber privilegia o sistema (HALL, 2004).

Seguindo com as definições sobre organizações, Srour (1998, p. 108) diz  serem as
organizações “agentes coletivos, à semelhança das classes sociais, das categorias sociais e dos
públicos [...], são planejadas de forma deliberada para realizar um determinado objetivo”.
Nessa perspectiva, o autor referencia ainda como principais organizações formais as públicas,
as privadas e as sem fins lucrativos, salientando o fato de que cada uma delas apresenta
características muito peculiares que as diferenciam, inclusive daquelas que pertencem à
mesma categoria. No entanto, trazem em seu  escopo, objetivos bem definidos e um papel
importante na sociedade atual.

Vale apresentar aqui a perspectiva de Hall (2004, p. 30), quando afirma que:

Uma organização  é uma coletividade com uma fronteira relativamente
identificável, uma ordem normativa (regras), níveis de autoridade
(hierarquia), sistemas de comunicação e sistemas de coordenação dos
membros (procedimentos); essa coletividade existe em uma base
relativamente contínua, está inserida  em um ambiente e toma parte de
atividades que normalmente se  encontram relacionadas a um  conjunto  de
metas; as atividades acarretam  conseqüências  para os membros da
organização, para a própria organização e para a sociedade.

As organizações são entes concretos (indústrias, bancos, lojas de varejo, escritórios de
serviço, etc.) e não podem ser confundidas com  instituições, que se caracterizam com um
fenômeno social, constituído por pessoas que  possuem comportamentos, valores, crenças
comuns e, geralmente, se relacionam baseados em normas e procedimentos estabelecidos.

Blau e Scott (1977, p. 16) abordam essa questão mencionando: 

[...] relações sociais entre indivíduos e grupos e a estrutura de posição
definida por eles constituem o centro da organização social de uma
coletividade, mas não o seu todo. A outra principal dimensão da organização
social é um sistema de crenças e  orientações compartilhadas que  servem
como standards para a conduta humana.

O que se pode observar na atualidade é que o mundo é formado por organizações e que o
homem contemporâneo faz parte dessas organizações que estão incumbidas de realizar
grandes projetos. E trabalhar em grandes projetos, demanda o envolvimento de milhares de
pessoas.

É certo que não se pode desvincular organizações de pessoas, pois são elas que constituem
tais organizações, pois um amontoado de equipamentos, materiais e utensílios, com certeza,
não teria muita importância se não servisse de suporte aos homens que delas fazem parte.
   5

Dentro dessas estruturas, o homem figura como o centro das atenções e, por conseguinte, é
responsável pelas questões de maior importância na complexa missão de gerir as
organizações, ficando aquelas relativas a condições materiais relegadas a um plano acessório.
É bom não esquecer, todavia, que as condições materiais também são importantes para o
entendimento da dinâmica de funcionamento das organizações e algumas vezes o homem é
colocado em segundo plano por causa delas. Por exemplo, na concepção de Perrow (1972),
nas organizações modernas as pessoas são freqüentemente vistas como a fonte dos problemas,
geralmente oriundos do exercício do trabalho e do relacionamento entre elas.

A vida organizacional, sob o enfoque sociológico, pode ser abordada a partir das organizações
formais, que possuem as mais variadas características, ou seja: porte, número de pessoas
envolvidas, ramo de atividade, enfim, uma série de aspectos que acaba por caracterizá-las e
lhes dar identidade própria. É  bem verdade que, ao tratarmos as organizações formais,
também conhecidas como “complexas”, não se pode perder de vista que dentro delas existe
um emaranhado de relações informais que acabam por se incorporar ao todo da organização.
A diferenciação de tais relações é apenas analítica, não havendo possibilidade de segmentá-
las, pois a organização é uma só. Sobre essa questão, Blau e Scott (1977, p. 19), afirmam que: 

[...]  é impossível compreender a natureza de uma organização formal sem
investigar as redes de relações informais e as normas extra-oficiais, assim
como a hierarquia formal de autoridade e as regras oficiais, pois os padrões
formalmente instituídos e aqueles que aparecem informalmente se
entrelaçam inextricavelmente.

Então, a Penitenciária Estadual de Maringá, local de desenvolvimento da pesquisa efetivada,
encontra-se inserida no rol das organizações complexas, sendo que suas características mais
determinantes estão definidas no próximo item, que trata das instituições totais, em que se
enquadram os presídios.

Instituições Totais

Instituições totais, diferente do que pode parecer, ainda existem na sociedade atual, embora
talvez não como antes, cujo exemplo máximo de alijamento foram os campos de
concentração. Mas suas estruturas hoje continuam grandes e aparentes, como é o caso do
sistema penitenciário, dos hospitais psiquiátricos, das instituições religiosas que exigem
clausura de seus adeptos, dos colégios internos e outros. Essas instituições se diferenciam em
termos de maior abertura ou fechamento em relação à sociedade, mas de forma geral, elas não
permitem muita abertura com o meio.

Portanto, um paralelo a se fazer consiste na avaliação do grau de fechamento das instituições
e afirmar que todas apresentam uma tendência natural ao fechamento, observando que as
estratégias de internação de indivíduos, em nossa sociedade, continuam como prática
constante. Faz-se mister ressaltar que a relação social dos indivíduos pertencentes a essas
instituições com o mundo externo percorre um caminho que acaba por apontar que, quanto
mais fechadas, maiores são os níveis de restrição.

A esse respeito, Goffman (1974) define instituição total como um ambiente de residência e
trabalho, onde existe uma concentração de indivíduos, em condições semelhantes, alijados do
convívio com a sociedade por expressivo período de tempo, o que acaba por configurar uma
vida fechada e formalmente controlada. O autor afirma ainda que essas instituições acabam
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por sediar as atividades de trabalho, lazer, dentre outras que podem ser terapêuticas,
correcionais, educativas, pedagógicas e profissionalizantes.

Percebe-se que a lógica de funcionamento das instituições totais inibe ou até mesmo extingue
a autonomia, a responsabilidade, o espírito crítico dos indivíduos, com o intuito de torná-los
inertes, obedientes e submissos. São “estufas” para mudar as pessoas (GOFFMAN, 1974).

Para Perrow (1972), os tipos de organização/instituição podem ser identificados por meio de
critérios que as diferenciam a partir de suas funções atribuídas pela sociedade ou também pela
maneira pela qual elas são controladas. A  busca das instituições totais, quando inibem o
contato entre o internado e o ambiente externo, é extraí-lo totalmente do mundo de onde se
origina, a fim de que o processo de aprendizagem ao qual será submetido seja mais facilmente
absorvido, isento de comparações, e mais suscetível às normas internas que lhes serão
impostas.

Tais instituições totais podem ser vislumbradas em cinco situações distintas, de acordo com o
que segue:

Em primeiro lugar, instituições criadas para cuidar das pessoas que, segundo
se pensa, são incapazes e inofensivas; nesse caso estão as casas para cegos,
velhos, órfãos e indigentes. Em segundo lugar, há locais estabelecidos para
cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e que são
também uma ameaça à comunidade,  embora de  maneira não intencional;
sanatórios para tuberculosos, hospitais  para doentes mentais e leprosários.
Um terceiro tipo de instituição total é organizado para  proteger a
comunidade contra perigos intencionais, e o bem-estar das pessoas assim
isoladas não constitui o problema imediato: cadeias, penitenciárias, campos
de prisioneiros de guerra, campos de concentração. Em quarto lugar, há
instituições estabelecidas com a intenção de realizar de modo mais adequado
alguma tarefa de trabalho, e que se justificam apenas através de tais
fundamentos instrumentais: quartéis,  navios, escolas internas,  campos de
trabalho, colônias e grandes mansões (do ponto de vista dos que vivem nas
moradias dos empregados). Finalmente, há os estabelecimentos destinados a
servir de refúgio  do mundo, embora  muitas vezes sirvam também como
locais de instrução para os religiosos; entre exemplos de tais instituições, é
possível citar abadias, mosteiros, conventos e outros claustros (GOFFMAN,
1974, p. 16).

Etzioni (1974) chama esse tipo de instituições como organizações coercitivas. É um
posicionamento conveniente, que contribui sobremaneira para o entendimento da dinâmica
das relações interpessoais e do  funcionamento dessas instituições. Pois bem, nesse contexto,
tais instituições totais, ou organizações coercitivas, são aquelas que se utilizam da coerção
como meio de controle junto  aos níveis inferiores, além de uma característica bastante
marcante, que consiste no alto grau de alienação dos participantes dessas organizações.

O modelo de Etzioni (1974) pressupõe que nas organizações há formas de poder que induzem
as pessoas a seguirem suas diretrizes; e também, há formas de participação, que fazem com
que haja, por parte dos indivíduos, uma orientação avaliativo-receptiva em relação a um
objeto. Nas organizações coercitivas, o poder utilizado é o coercitivo, que reside na aplicação
ou ameaça de aplicação de sansões físicas, principalmente. E a participação existente é a
alienativa, que segundo Etzioni (1974, p. 38) refere-se a “uma orientação intensamente
negativa; é predominante nas relações entre estranhos hostis”. Num continuum entre a alta e a
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baixa participação, ela está nesse último ponto, ou seja, o indivíduo não participa de nenhuma
decisão; simplesmente, cumpre as ordens.

Assim, tomados em conjunto, os dois elementos – o poder aplicado pela organização aos
participantes inferiores e a participação na organização desenvolvida por eles – constitui a
relação de aceitação. Para Etzioni (1974), os internados são altamente alienados em relação às
prisões, já que o poder coercitivo tende a alienar; para o autor, esse seria um tipo de
consentimento congruente com esse tipo de organização.

Portanto, nessas instituições, o uso da força é fator importante como meio de consecução de
seus objetivos principais. Nesse sentido, Etzioni (1974, p. 57) afirma que: 

As organizações coercitivas são entidades nas quais a coerção é o principal
meio de controle sobre os participantes dos níveis inferiores e  a elevada
alienação caracteriza a orientação da maioria deles em relação à instituição.
Casos típicos são campos de concentração, campos de prisioneiros de guerra,
a  maioria das prisões, instituições correcionais tradicionais e hospitais de
doenças mentais com internamento. Campos de trabalho forçado e centros de
repatriamento são também organizações coercitivas.

Vale salientar que os padrões coercitivos utilizados na manutenção do controle de tais
instituições podem variar substancialmente,  levando-se em conta as características e
finalidades para as quais foram constituídas. Para Etzioni (1974), os campos de concentração
empregam mais coerção do que as prisões regulares; as prisões utilizam mais do que as
instituições correcionais para menores, sendo que, para Ohlin “este último tipo é,
freqüentemente, o primeiro a introduzir reformas” (apud ETZIONI, 1974, p. 58). Para Etzioni
(1974), uma forma de determinar empiricamente o lugar de uma organização no continuum
coercitivo é estabelecer a punição típica para o mesmo tipo de ofensa em várias organizações.
Por exemplo, a punição por tentativa de fuga de um campo de concentração foi
freqüentemente morte ou tortura; de prisões, a extensão da sentença em um ano; em
instituições correcionais, a duração da sentença era bem menor.
 
A realidade das instituições que fazem parte do sistema penal, nesse caso a Penitenciária
Estadual de Maringá, merece aqui um parêntese a respeito dessa questão, pois possuem as
características que as enquadram no rol das organizações coercitivas. Todavia, na atualidade,
os padrões coercitivos não podem fugir significativamente dos  parâmetros estabelecidos e
normatizados para os tipos de punição que devem ser aplicados para determinados tipos de
faltas, a não ser quando o assunto for tratado na informalidade. Para Etzioni (1974, p. 60), os
hospitais para doentes mentais também possuem algumas características especiais:

Os hospitais para doenças mentais são difíceis de situar dessa forma, de vez
que nessas organizações é dada uma interpretação diferente ao mesmo tipo
de falta, e desde que outras formas de punição – algumas vistas como
medidas terapêuticas – estão disponíveis, tais como choque elétrico, injeção
de insulina e camisa de força. Na medida em que uma comparação pode ser
feita, sugerimos que os hospitais de doenças  mentais se  assemelham as
instituições correcionais para delinqüentes juvenis, mais do que  a prisões,
comparação que freqüentemente é feita. Parece  que a juventude e a
insanidade suavizam a orientação punitiva. Os indivíduos estão nos dois
tipos de organização contra a sua vontade, mas  a mesma falta  pode trazer
confinamento menos duradouro quando  o faltoso é jovem ou legalmente
definido como doente mental. Não existe pena capital em qualquer dessas
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organizações. Reabilitação e terapia,  limitadas como possam ser, aparecem
mais freqüentemente nesses dois tipos de organização do que em prisões.
Ambas recaem na parte relativamente menos coerciva da categoria.

Pode-se dizer que as organizações coercitivas  hoje mais constantes e estudadas com maior
freqüência são as prisões e os hospitais de  doenças mentais, que representam uma amostra
com informações para o entendimento das características e peculiaridades de tais instituições.
Na maioria dos casos, o  modus operandi dos presídios está em sintonia com o que as
sociedades ao longo do tempo idealizaram para essas instituições, ou  seja, o exercício do
controle e da dominação, cujos efeitos são bastante adversos à proposta declarada de
ressocialização.

Sobre essa questão, é oportuno o posicionamento de Goffman (1974) quando aborda o que
denomina de ajustamentos secundários, como prerrogativa para que os internados sintam
ainda certa autonomia sobre o ambiente em que vivem, atenuando sobremaneira as influências
e as pressões que sofrem. Diz o autor que tais ajustamentos secundários são “[...] práticas que
não desafiam diretamente a equipe dirigente, mas que permitem que os internados consigam
satisfações proibidas ou obtenham, por meios proibidos, as satisfações permitidas”
(GOFFMAN, 1974, p. 161).

Mais um aspecto que merece consideração é a já mencionada questão da impermeabilidade ou
invisibilidade das instituições prisionais (e de outras instituições totais). Com isso, a
sociedade se abstrai da dura realidade vivida pelos seus colaboradores e internados, levando a
crer que tais instituições são ambientes impenetráveis e ilhados em relação à sociedade. O
ideal seria que elas pudessem estar inseridas, mormente no que concerne ao estabelecimento
de políticas públicas, em um contexto que privilegiasse uma proposta de reabilitação para a
liberdade.

Um posicionamento interessante sobre o assunto é feito por Goffman (1974, p. 17), quando
afirma que:

Uma disposição básica da sociedade  moderna é que o indivíduo tende a
dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com diferentes co-
parcipantes,  sob diferentes autoridades e sem um  plano racional geral.  O
aspecto central das instituições totais pode ser descrito com a ruptura das
barreiras que comumente  separam  essas três esferas de vida. Em primeiro
lugar, todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local  e sob uma
única autoridade. Em segundo lugar, cada fase da atividade diária do
participante é realizada na companhia imediata de um grupo relativamente
grande de outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a
fazer as mesmas coisas em conjunto. Em  terceiro lugar, todas as atividades
diárias são rigorosamente estabelecidas em horários, pois uma atividade
leva, em tempo predeterminado, à seguinte, e toda a seqüência de atividades
é imposta de cima, por um sistema de regras formais explícitas e um grupo
de funcionários. Finalmente, as várias atividades obrigatórias são reunidas
num plano  racional único, supostamente planejado para atender aos
objetivos oficiais da instituição.

O que se deve considerar, a partir disso, é que as prisões, como um tipo de instituição total,
por meio de princípios doutrinários, segregam seus ocupantes  das influências do ambiente
externo, em maior ou menor medida, e entendem que, com isso, irão facilitar o processo de
ressocialização, utilizando suas estruturas hierárquicas (normativas, coercitivas, etc.) para
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potencializar os resultados das propostas de reeducação do internado.

Os Presídios

Dentro da classificação de instituições totais encontram-se os presídios, também denominados
de instituições penais, penitenciárias, etc. Como dito anteriormente, tais instituições totais
apresentam características bastante peculiares, variando, entretanto, quanto ao rigor de suas
normas, geralmente vinculadas aos objetivos que perseguem e ao papel que desempenham na
sociedade.

No caso dos presídios, geralmente existe um grupo numeroso de internados sendo
supervisionado por equipe reduzida de técnicos administrativos e agentes penitenciários, que
perseguem o propósito formal de transformação dos presos através da educação, do trabalho e
da implantação de um regime disciplinar severo e cerceador do contato e interação com o
mundo exterior. Todavia, esta tão falada impermeabilidade dessas instituições, que deveria ser
modificadora dos indivíduos que nelas ingressam, acaba por prejudicar a preparação desses
indivíduos para o retorno à sociedade. 

Nesse sentido, Foucault (1979) afirma que tais instituições (as prisões), já desde sua origem,
jamais conseguiram se voltar ao projeto de modificação daqueles que nelas ingressam como
internados, apenas o  modus operandi delas é que se modificou ao longo do tempo. Em
“Vigiar e Punir”, Foucault (1987) mostra o quanto o saber assume o status de verdade e dá
forma à discursividade de uma determinada época. Então, em termos de legislação penal,
segundo o autor, cada época criou suas próprias  verdades, instituindo e usando os mais
variados processos punitivos, que vão do suplício do corpo ao Direito Penal moderno. E
complementa:

[...] desde o começo a prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado
quanto a escola, a caserna ou o hospital, e  agir com precisão sobre os
indivíduos. O fracasso foi imediato e registrado quase ao mesmo tempo em
que o próprio projeto. Desde 1820 se  constata que a prisão, longe de
transformar  os criminosos em gente  honesta, serve apenas para  fabricar
novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade
(FOUCAULT, 1979, p. 131).

Segundo Foucault (1987), desde que na Idade Média foi construída a grande procedura do
inquérito, julgar era estabelecer a verdade de um crime, era determinar seu autor, era aplicar-
lhe uma sansão legal. Era, então, apenas necessário conhecer a infração, o responsável e a lei,
e, assim, aplicar a pena.

A partir do século XVIII, passa a ser muito mais do que isso: é necessário também perguntar
o que significa o crime, o que o motivou. A operação toda deixa de ser puramente uma
punição legal, e com isso, o processo todo se torna mais complexo, com um aumento
considerável do aparato necessário para julgar um crime. Isso levou a toda uma proliferação
de instâncias, atores (peritos, médicos, educadores) e discursos (FOUCAULT, 1987). 

Na fase contemporânea, segundo o autor, o discurso pregado não enfatiza tanto o castigo dos
delinqüentes, mas a sua recuperação, a fim de integrá-los dóceis e úteis à sociedade. Isso fez
com que houvesse uma grande transformação nas  estruturas penitenciárias, com intuito de
atender às demandas que emergem da sociedade atual. Assim, segundo Foucault (1987), o
Direito Penal moderno não ousa  mais dizer que pune crimes;  ele pretende readaptar os
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criminosos. 

Trajetória Metodológica

O tipo de pesquisa realizada é exploratória e descritiva, pois o que se pretendeu foi entender e
descrever um fenômeno ainda sem muita produção teórica ou conhecimento a respeito. No
que concerne à pesquisa exploratória, o objetivo principal residiu na perspectiva de se
conhecer melhor a situação ou problema sob o qual a investigação foi direcionada, a fim de se
obter dados e idéias que permitissem uma melhor compreensão sobre o assunto estudado
(TRIVIÑOS, 1987). No caso em questão, isso se referiu a conhecer as atividades de trabalho
remuneradas desenvolvidas na PEM.

A posição de Triviños (1987) demonstra que quando se fala de estudos descritivos, estes têm
por objetivo descrever criteriosamente os fatos e fenômenos de determinada realidade, de
forma a obter informações a respeito daquilo que já se definiu como problema e/ou
oportunidade a ser investigada. No caso em questão, consistiu em verificar se na concepção
dos detentos e do diretor da PEM, as atividades de trabalho remuneradas desenvolvidas pelos
detentos são consideradas um instrumento de ressocialização.

A natureza da pesquisa realizada é qualitativa. Pois, para Richardson (1999, p. 90), a pesquisa
qualitativa “[...] pode ser caracterizada como tentativa de uma compreensão detalhada dos
significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em lugar da
produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos”. Este enfoque é
bastante flexível, facilitando o processo de  pesquisa ao tempo que proporciona uma visão
mais abrangente e clara das situações ou organizações que os investigadores estão procurando
entender.

O corte temporal desta investigação é transversal, que segundo Richardson (1999, p. 148) este
corte temporal ocorre quando “[...] os dados são coletados em um ponto no tempo, com base
em uma amostra selecionada para descrever uma população nesse determinado momento”.

Os dados utilizados para a investigação foram  primários e secundários. Afirma Richardson
(1999, p. 253) que “[...] uma fonte secundária é aquela que não tem uma relação direta com o
acontecimento registrado, senão através de algum elemento intermediário”. Aqui os dados
secundários foram coletados por meio dos registros internos da Penitenciária Estadual de
Maringá e os externos da Secretaria de Justiça e Departamento Penitenciário do Estado do
Paraná.

Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas realizadas com os presos e com o
diretor da PEM. Para Richardson (1999, p. 253), “[...] uma fonte primária é aquela que teve
uma relação física direta com os fatos analisados, existindo um relato ou registro da
experiência vivenciada”, como é o caso da investigação sistematizada no presente artigo.

Na PEM existiam, na época da coleta de dados, em agosto de 2006, trezentos e sessenta
pessoas cumprindo pena e destas, cento e oitenta desenvolvendo atividades de trabalho
remuneradas em canteiros instalados internamente. Na PEM existem os canteiros externos
(que representam as empresas que utilizam  mão-de-obra de presos e os remunera pelo
trabalho executado) e os internos (canteiros que também remuneram o trabalho, todavia em
forma de pecúlio, pago pelo Estado pelo  trabalho do preso). Para a amostra, foram
selecionados canteiros de trabalho internos, pela facilidade de acesso. Foram escolhidos, de
   11
forma aleatória, dezesseis presos. As entrevistas foram gravadas e transcritas fielmente.

Os dados foram analisados com base na  hermenêutica. Para Coreth (1973) o termo
hermenêutica, apesar de apresentar uma série de significados (declarar, anunciar, interpretar,
esclarecer, entre outros), todos acabam por convergir para a busca de tornar algo
compreensível. No nosso caso, esse processo  teve por base a interpretação dos autores,
levando-se em conta suas vivências, suas visões de mundo, suas reflexões e leituras sobre o
tema. Foi um processo de ir e vir, em que perguntar foi uma atividade primordial: perguntar
se havia algo velado nas narrativas e o que isso significava; e perguntar para si próprios se o
que estavam enxergando das falas transcritas tinha pertinência para o trabalho realizado.

As atividades de trabalho remuneradas desenvolvidas na PEM

O lócus da pesquisa foi a PEM – Penitenciária Estadual de Maringá, destinada a abrigar
presos do sexo masculino em cumprimento de pena privativa de liberdade. A PEM foi
inaugurada em 10 de abril de 1996, localizada na área agrícola de Maringá-PR, no limite entre
os municípios de Maringá e Paiçandu. Com uma área construída de 5.800 metros quadrados,
em um terreno de 24 mil metros quadrados, possui sessenta celas com capacidade para seis
presos cada, perfazendo um total de trezentas e sessenta vagas. É dotada de completa infra-
estrutura com guaritas,  galerias, refeitórios, salas de aula, salas de atendimento, cozinha,
panificadora, lavanderia, consultório médico, odontológico e área íntima.

Caracteriza-se como estabelecimento de segurança máxima, destinado a presos do sexo
masculino que cumprem pena em regime fechado. Apesar da capacidade de lotação para
trezentos e sessenta presos, mantém uma média populacional de trezentos e quarenta e cinco,
sendo que destes, 55% da população carcerária é empregada como mão-de-obra em mais de
vinte canteiros de trabalho nas áreas de manutenção, artesanato, agricultura, fábrica de bolas
de futebol, marcenaria, dentre outros.

Os canteiros de trabalho estão apresentados no Quadro 1. Foram listados separadamente
aqueles que são oferecidos pela própria unidade, denominados de canteiros internos, bem
como os outros que funcionam mediante convênios entre a Secretaria de Estado da Justiça e
da Cidadania e organizações que utilizam mão-de-obra prisional, denominados de canteiros
externos. Tais atividades fazem parte dos objetivos institucionais em busca da preparação do
preso, em cumprimento de pena, para o seu reingresso na sociedade.



CANTEIROS DE TRABALHO EXTERNOS

  
CONVÊNIOS 


ATIVIDADES
DATA
INÍCIO
01  Antenas Airtrônic Ltda.  Montagem de cabos para comunicação,
preparo e colocação de terminais nas
extremidades de cabos coaxiais.
2006
02  Antenas Airtrônic Ltda.  Montagem de fitas para impressoras.  2006
03  Ferreira & Scheffer Ltda.  Lixado em jeans.  2005
04  Plast Mídia  Ind. e Com. Embalagens
Plásticas Ltda.
Montagem: colocação de alças, fundos,
ilhó, acabamento e empacotamento de
sacolas.
1998
   12
05  Plast Mídia  Ind. e Com. Embalagens
Plásticas Ltda.
Serviço de serigrafia: revelação de telas e
impressão nas sacolas.
1998
06  Saiezo Bicicletas do Brasil Ltda.  Colocação de raios, centragem de aros e
montagem completa de bicicletas.
2000
07  Secretaria Est. de Educação-CAP  Digitação de material didático para
deficientes visuais.
2005
08  Secretaria Est. de Educação-CAP  Confecção de mapas e demais desenhos
didáticos em alto relevo, bem como
maquetes para deficientes visuais.
2004
09  Universidade Estadual de Maringá  Restauração de livros da biblioteca da
UEM.
2001

10  Instituto Ambiental do Paraná  Produção de mudas.  2006


CANTEIROS DE TRABALHO INTERNOS

01  Barbearia  Corte de cabelo dos presos.  1996
02  Biblioteca  Empréstimo de livros;
catalogação de livros;
relatório de livros emprestados e lidos;
faxina nas instalações da biblioteca;
restauração dos livros da biblioteca;
incentivo à leitura na distribuição de livros
nas galerias com acesso limitado.
1996

03  Cozinha  Distribuição da refeição para os presos;
limpeza no interior da cozinha;
distribuição do café da manhã;
serviço de garçom no refeitório dos
funcionários (café da manhã, almoço e
jantar);
lavagem de louças e utensílios da cozinha;
preparo de verduras para saladas.
1996
04  Equipamentos Eletrônicos  Conserto de equipamentos eletrônicos da
unidade;
início das atividades de consertos de
computadores das escolas ligadas à
Secretaria de Estado da Educação em
Maringá;
instrução de informática através de curso
aos presos com duração de três meses,
utilizando os computadores do setor de
digitação em braile;
restauração de peças eletrônicas;
conserto de equipamentos de informática
e montagem de computadores.
2002
05  Alfabetização  Trabalho de monitoria, auxiliando os
professores na alfabetização dos presos.
2003
06  Faxina  Limpeza, higienização e recolhimento do
lixo no interior da unidade;
limpeza das caixas de gorduras;
limpeza das viaturas da unidade.
1996
07  Faxina Externa  Faxina na parte intramuros e reforço no  1996
   13
trabalho da horta.
08  Horta  Plantio, colheita e manutenção das
instalações da horta;
separação de verduras e legumes para uso
na unidade e entidade beneficente
(Recanto “Somos Todos Irmãos”).
1997
09  Jardinagem  Manutenção e plantio de plantas
ornamentais.
2002
10  Lavanderia  Controle do fluxo de roupas no setor;
lavar e passar as roupas dos presos.
1996
11  Manutenção  Serviço de consertos da parte elétrica,
hidráulica, portões, pintura de paredes,
instalação de equipamentos, etc.
1998
12  Parlatório  Chamar, listar compras e colher
assinaturas de presos.
1996
13  Reciclagem de Lixo  Separação do lixo para reciclagem e
reforço na horta.
1998
Quadro 1 - Canteiros de Trabalho / Atividades - 2006
Fonte: Penitenciária Estadual de Maringá/ Divisão Ocupacional – 2006


Percepções dos detentos e do diretor da PEM sobre as atividades de trabalho
remuneradas

Devido à decisão de preservar a identidade dos  sujeitos da pesquisa,  na discussão que se
apresenta a seguir não foram inseridas as falas textuais dos mesmos, mas uma síntese
interpretativa de seu conteúdo. 

Há que se destacar, em primeiro lugar, que os presos não escolhem se querem ou não
trabalhar, ou ainda, em que canteiros vão trabalhar. Essa decisão é tomada pela organização a
partir de determinados critérios, sem a participação direta dos presos.

Em relação à percepção dos presos, o que se notou é que suas falas, em muitos pontos,
convergiam entre si. Quando se estabeleceu o  diálogo com os presos selecionados, ficou
evidente que, no entendimento deles, as atividades de trabalho remuneradas exercidas por eles
na PEM são consideradas um instrumento de ressocialização. 

Eles acreditam que o fato de exercerem um  ofício enquanto estão  detidos lhes propicia
benefícios, tais como terapia ocupacional,  facilidade no convívio com os companheiros,
aprendizado e valorização do dinheiro, fruto de seu trabalho. Enfim, melhoria da qualidade de
vida.

No entanto, para eles, os benefícios referentes às atividades desenvolvidas na PEM não são
apenas imediatos. Acreditam que por meio  do trabalho que exercem nos canteiros hoje, é
descortinada a perspectiva de que no futuro possam incluir-se socialmente. Afirmam que
apesar das limitações em relação às possibilidades de ofícios que possam aprender e/ou
exercer na prisão, a probabilidade de alocação no mercado de trabalho, quando forem
liberados de suas penas, passa a existir.

Para os detentos, a remuneração recebida referente às atividades de trabalho por eles
desenvolvidas auxilia nas vezes em que precisam adquirir produtos de primeira necessidade,
   14
como algum alimento, material de higiene, entre outros. Além disso, ajuda suas famílias no
período em que estão detidos.

Mais do que isso, o trabalho propicia a eles o preenchimento do tempo vago, tirando-lhes da
ociosidade, contribuindo para o resgate da auto-estima, melhora a imagem que possuem de si
mesmos, conseqüentemente, se desenvolvem como seres humanos.  

Em termos de limitações do trabalho na prisão, os presos reclamam que existe um controle
excessivo do uso e trânsito de ferramentas e  em função disso, há perda de uma parcela do
tempo, que entendem como prejudicial à produtividade. O fato dos presos se preocuparem
com “produtividade” é interessante nesse contexto, pois eles sabem que estão num presídio, e
que, portanto, o porte de materiais tem que ser  controlado, para que as ferramentas não se
transformem, futuramente, em armas em mãos erradas. 

Não se pode deixar de comentar que em  nenhum dos depoimentos ficou evidenciado o
trabalho como parte do cumprimento da pena, ou castigo, e isso nos remete a outro plano de
discussão sobre a categoria trabalho, ou seja, como algo estruturante, que sustenta a si e sua
família, que ocupa, que profissionaliza, que proporciona crescimento intelectual e que
valoriza a pessoa.

Ao se expressarem sobre o trabalho que exercem, os apenados manifestam também suas
expectativas sobre como será quando regressarem ao mundo externo e de que forma uma
instituição como a PEM poderá contribuir com isso. Eles têm esperança no processo de
ressocialização.

Essa também é a percepção do diretor da PEM. Para ele, é possível a ressocialização através
do trabalho e, por isso, faz parte da política do sistema prisional da unidade estudada. Para o
diretor, as atividades de trabalho exercidas pelos presos podem ser vistas de diversas formas,
mas a principal é a ressocialização do preso. É isso que, no seu ponto de vista, auxilia que a
PEM atinja o seu objetivo e justifique a sua existência.

Lembra ele que segundo a Lei de Execução Penal, a finalidade social é proporcionar aos
apenados as condições mínimas (os meios) para que se configure uma perspectiva futura de
reintegração social para essas pessoas, cuja condição de segregação necessita de atenção
especial, com o intuito de minimizar a possibilidade da reincidência criminal.

Acrescenta ainda que o trabalho faz com que os presos aprendam a cumprir horário, obedecer
às normas prescritas, ou seja, a se disciplinarem, o que facilita o trabalho dos técnicos
administrativos, para que estes possam auxiliá-los, no sentido de resolver problemas de ordem
física e psicológica. 

Comenta que o processo de aprendizagem profissional, na maioria dos casos, redireciona os
objetivos do preso, o que faz acender a esperança de que ele seja mais um ser humano digno
de voltar ao convívio social, sem oferecer risco à sociedade. Segundo o diretor, há casos de
presos que foram liberados de suas penas e empreenderam seus próprios negócios; outros que
estão desenvolvendo as atividades que aprenderam na prisão em empresas que possuem
convênios com a PEM. No entanto, ressalta o diretor, não se pode generalizar, pois há sempre
aqueles que têm dificuldades de se adaptarem novamente à sociedade. 

É aí que se localiza sua preocupação maior: a angústia que caracteriza o preso próximo a sair
   15
em liberdade, pois como dissemos anteriormente, nesse momento se configura a esperança
que representa uma instituição total: a reabilitação. 

Por fim, acrescenta o diretor que o sistema penitenciário paranaense vem envidando esforços
em busca da viabilização de trabalho para  o preso, bem como a educação formal e
profissionalizante, a prática de esporte, o lazer e, na medida do possível, o contato com o que
acontece no mundo exterior. Ressalta que na PEM estas e outras atividades encontram-se
implantadas e que elas fazem parte de um conjunto de instrumentos que visa a ressocialização
dos presos.

Conclusões

Da pesquisa empreendida, concluí-se que  as atividades de trabalho remuneradas
desenvolvidas pelos detentos na PEM estão de acordo com os objetivos prescritos no art. 28
da LEP, ou seja,  pela Lei nº. 7.210 de 11/07/1984. Apesar de a PEM ser uma instituição total,
e portanto, ter certo grau de fechamento em relação à sociedade, alguma abertura foi
necessária para que ela pudesse instalar canteiros de trabalho como atividade rotineira e assim
conseguir cumprir o que prescreve a lei. 

Os dados primários e secundários mostram que  diversos tipos de atividades de trabalho
remuneradas são desenvolvidos na PEM. Estas atividades possuem características simples,
que não demandam mão-de-obra com alta qualificação, nem tampouco grau de instrução
elevado. Apesar da “singeleza” das atividades, no entanto, elas têm o poder de aumentar a
auto-estima dos que estão internados. Isso pôde ser observado durante as entrevistas, pela
expressão facial e pelo entusiasmo com que os detentos falavam de seus trabalhos, levando-
nos à conclusão de que, para eles, o trabalho que desenvolviam era algo estruturante em suas
vidas. 

Interpretando as colocações  feitas no decorrer do trabalho de campo, vimos que tanto por
parte do diretor como dos presos entrevistados, há uma reprodução dos discursos oficiais
quanto à necessidade do trabalho prisional e da sua importância para a ressocialização. Isso
aliena mais ainda os detentos. Tomando por base Etzioni (1974), notamos que essa alienação
é congruente com o modelo de organização em que estão inseridos e também com os
discursos atuais sobre ele. A  decisão sobre o tipo de trabalho a ser desenvolvido parte da
organização, assim como a decisão de quem irá trabalhar. Por isso, o preso permanece
alienado - nos termos de Etzioni (1974) - uma vez que não participa, enquanto sujeito, do
processo de decisão em relação à função que desenvolve. Apenas aceita os discursos, as
imposições e as coerções do tipo de organização em que está inserido.

Assim, mesmo que os padrões coercitivos utilizados na manutenção do controle de tais
instituições variem substancialmente, a coerção não deixa de existir. Se na atualidade, esses
padrões coercitivos não podem fugir dos parâmetros estabelecidos e normatizados para os
tipos de punição que devem ser  aplicados para determinados tipos de faltas, é porque eles
estão em sintonia com os discursos atuais. Ou seja, “formalmente” não se fala mais em
suplício do corpo; como diria Foucault (1987), o Direito Penal moderno pretende readaptar os
criminosos.

A interpretação das narrativas mostra exatamente a reprodução desse discurso, tornando mais
claro o quanto a lógica de funcionamento das instituições totais inibe, ou até mesmo extingue
a autonomia e o espírito crítico dos indivíduos,  com o intuito de torná-los, nas palavras de
   16
Goffman (1974), inertes, obedientes e submissos. Ou, nas palavras de Foucault (1987), dóceis
e úteis à sociedade.

Assim, se para Foucault (1987) cada época criou suas próprias verdades, instituindo e usando
os mais variados processos – no caso das instituições totais, processos punitivos - o que se
pode notar, a partir da pesquisa empreendida, é que o  modus operandi da PEM está em
sintonia com o que a sociedade idealizou para esse tipo de instituição na atualidade: ao
mesmo tempo em que existe o exercício do controle e da dominação, há também um discurso
que tem como proposta a possibilidade de ressocialização do preso.

Por isso é que podemos chegar à conclusão de que a PEM é uma instituição útil à sociedade
atual. Ou seja, nas palavras de Goffman (1974), ela é um tipo de instituição total que protege
a comunidade contra perigos intencionais, isola essas pessoas perigosas e, estando assim
isoladas, elas não constituem um problema imediato para a sociedade. Além disso, as
atividades de trabalho ali desenvolvidas coadunam com o discurso de que a reinserção dos
presos à sociedade venha a ocorrer concomitantemente com maiores condições de
ressocialização.

Como pesquisa exploratória, esta investigação foi apenas  um primeiro passo para novas
conclusões. Para isso, em termos de futuras pesquisas, sugerimos investigar a “trajetória” de
ex-apenados que trabalharam nos canteiros da  PEM, no intuito de constatar se realmente
houve um processo de ressocialização e inserção no mundo do trabalho. Além disso, seria
interessante fazer estudos comparativos entre diversas penitenciárias, que utilizam ou não do
trabalho prisional, e fazer análises quantitativas em termos de reincidências no crime, índices
de ressocialização, entre outros indicadores, que poderiam ser úteis nas reflexões sobre este
tipo de instituições totais.


Referências Bibliográficas:

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BRASIL. Lei nº 7.210. Sancionada em 11 de julho de 1984. D.O.U. 13/07/1984.

CORETH, E. Questões fundamentais de hermenêutica. São Paulo: EPU-Universidade de
São Paulo, 1973.

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São Paulo, 1974.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987.

GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.

HALL, R. Organizações: estrutura e processo. Rio de Janeiro: Prentice Hall, 2004.

PARANÁ.  Departamento penitenciário do estado. Relatório. Secretaria de Estado da
Justiça e da Cidadania – SEJU, 2005.
   17

PERROW, C. Análise organizacional: um enfoque sociológico. São Paulo: Atlas, 1972.

RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.

SILVA, R. O que as empresas podem fazer pela reabilitação do preso. São Paulo: Instituto
Ethos, 2001.

SROUR, R. H. Poder, cultura e ética nas organizações. São Paulo: Campus, 1998.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
educação. São Paulo: Atlas, 1987.

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