sexta-feira, 29 de julho de 2011

Estado e Política Social

*Márcia Pastor
**Eliane Cristina Lopes Brevilheri

*Docente do Departamento de Serviço Social e do Mestrado em Políticas Sociais e Serviço Social da 
Universidade Estadual de Londrina e Membro do Grupo de Pesquisa em Gestão de Políticas Sociais/UEL.
E-Mail: marciapastor@sercomtel.com.br

**Assistente Social, aluna do Mestrado em Serviço Social  e Política Social da Universidade Estadual de
Londrina- Pr.


Resumo:
O presente artigo tem como objetivo promover reflexões a respeito das diferentes
configurações assumidas pelo Estado no contexto do capitalismo e das respostas dadas no
enfrentamento da questão social. Nele são  abordados o Estado Liberal, a crise de 1929, o
Estado de Bem-Estar Social, a ofensiva neoliberal a partir dos anos de 1970, além de algumas
considerações a respeito da intervenção do Estado na primeira grande crise financeira do
século XXI.  Inicialmente as reflexões são realizadas em relação aos países do capitalismo
central e, em seguida, em relação ao contexto brasileiro.

Palavras-chave: Estado. Política Social. Estado de Bem-Estar Social.

Abstract:

The present article has as objective promotes reflections regarding the different configurations
assumed by the State in the context of the capitalism and of the answers given in the struggles
of the social subject. In him they are approached the Liberal State, the crisis of 1929, the State
of Social Well-being, the neoliberal offensive starting from the years of 1970, besides some
considerations regarding the intervention of the State in the great first financial crisis of the
century XXI. Initially the reflections are accomplished in relation to the countries of the
central capitalism and, soon after, in relation to the Brazilian context. 

Keyswords: State; Social politics; Welfare State. 


Introdução

Desde as primeiras formas do capitalismo, o Estado vem assumindo algumas
responsabilidades sociais, não com a finalidade de garantir o bem comum, mas para manter a
ordem, o que, muitas vezes, ocorreu através de ações repressivas.

Na segunda metade do século XVIII, o escocês Adam Smith, um dos maiores pensadores do
liberalismo, em um de seus principais trabalhos, “A Riqueza das Nações”, defendeu o
princípio do trabalho como mercadoria e sua regulação pelo livre mercado, cujo
funcionamento deveria se dar sem a interferência do Estado. Para ele, havia uma “mão
invisível” assegurando o equilíbrio entre a oferta e a procura. Influenciado por este
pensamento, o inglês David Ricardo, no início do século XIX, também defendeu a liberdade
do livre comércio. 
Estes pensadores tiveram grande influência no mundo ocidental, o que fez com que houvesse
um predomínio do pensamento liberal, especialmente a partir de meados do século XIX até a
terceira década do século XX, alimentado por suas teses de que a regulação das relações
econômicas e sociais pelo livre mercado produziria o bem comum (BEHRING; BOSCHETTI,
2007, p.56). 

O Estado que surgiu neste momento de transformação foi o Estado Liberal, cujo pressuposto é
a segurança de todos – o indivíduo livre. Seu ponto de partida é o de que todos são livres,
inclusive para construir seu próprio destino e o direito à propriedade parece colocar todos na
mesma condição. Contudo, ser proprietário de um meio de produção é diferente de ser
proprietário da força de trabalho e, ainda que do ponto de vista do direito, as leis garantam
que todos sejam iguais, no campo das relações de produção elas são desiguais. 

Em sua crítica, Bento (2003) afirma que a teoria que fundamenta este Estado Liberal admite a
igualdade no campo formal e jurídico, mas não a exigência de igualdade de fato, entendida
como a igualdade sócio-econômica. De acordo com a visão liberal, a prosperidade e bem-estar
dependem da competência e do trabalho individuais, já que a todos é dada a igualdade de
oportunidades. 

Nesta sua forma, o Estado tem uma reduzida intervenção no que diz respeito à garantia de
direitos sociais, justificado pela idéia de que contribuiriam para desestimular o interesse pelo
trabalho, gerariam acomodação e, portanto, colocaria em risco a sociedade de mercado. A
pobreza poderia ser minorada pela caridade privada, cabendo ao Estado garantir a assistência
apenas dos indivíduos que não tivessem condições de competir no mercado, tais como:
crianças, idosos e deficientes.

Behring e Boschetti (2007) sintetizam elementos essenciais do liberalismo que permitem a
compreensão da reduzida intervenção do Estado no que diz respeito às políticas sociais, quais
sejam: predomínio do individualismo, o bem-estar individual sobrepondo-se ao bem-estar
coletivo, predomínio da liberdade e da competitividade, a naturalização da miséria, o
predomínio da lei da necessidade, a manutenção de um Estado mínimo.

Ainda, segundo estas autoras, no final do século XIX, em resposta à crescente mobilização e
organização dos trabalhadores, além de ações  de caráter repressivo, foram incorporadas
algumas demandas dos movimentos operários, transformando as reivindicações em leis que
proporcionaram melhorias nas condições de vida, sem, contudo, atingir o cerne da questão
social.  

É importante destacar que, até o final do século XIX e início do século XX, o que se teve foi
um capitalismo denominado concorrencial, ou seja, regido pela livre concorrência. A partir de
então, a fim de viabilizar um dos objetivos primários do capitalismo, que é o acréscimo dos
lucros capitalistas pelo controle dos mercados (NETTO, 2005, p.26), ocorre um processo de
concentração de produção e de capital nas mãos de grandes corporações e a livre concorrência
é substituída pelos monopólios capitalistas.

Segundo Netto (2005, p.19-20)

A idade do monopólio altera significativamente a dinâmica inteira da
sociedade burguesa: ao mesmo tempo em que potencializa as contradições fundamentais do capitalismo já explicitadas no estágio concorrencial [...] as
combina com novas contradições e antagonismos. 

Portanto, se no capitalismo concorrencial o  Estado intervinha pontualmente nas questões
sociais, em sua fase monopolista, assume outras funções, com uma intervenção permanente na
reprodução da força de trabalho.

Em 1929, uma grande crise atingiu todo o mundo capitalista que, segundo Niveau (1969), era
essencialmente norte-americana, mas seus efeitos se estenderam para todo o mundo através do
comércio internacional, em razão do peso dessa economia no mundo. 

No início, era uma crise financeira que poderia ter ficado no campo do capital financeiro, mas
ela se desdobrou e atingiu todo o sistema produtivo e começou a afrontar a qualidade tão
explicitada da economia capitalista, revelando um caráter cada vez mais irracional. 

Para Toledo (2002), diante das lutas sociais e políticas, desde o final do século XIX, e da
incapacidade do mercado de sustentar o crescimento econômico sem crises, houve um
descrédito das concepções liberais e uma mudança de rumos em direção ao Estado social,
baseado nas proposições de Keynes.

De acordo com os postulados do economista inglês, John M. Keynes, o mercado não teria
força, autodisciplina, para retomar o equilíbrio da economia e, contrapondo-se à postura
liberal, defendeu a presença do Estado no interior da economia capitalista. Segundo Keynes,
esta intervenção deveria se dar através de investimentos no setor produtivo a fim de ativar a
economia e, com isso, recompor a equação demanda-emprego-aumento de renda. A economia
capitalista se reergueria por meio do Estado. A doutrina Keynesiana 

[...] estimulou a criação de medidas macroeconômicas, que incluíam: a
regulação do mercado; a formação e controle dos preços; a emissão de
moedas; a imposição de condições contratuais; a distribuição de renda; o
investimento público; o combate à pobreza. E tudo isso visava não
exatamente à socialização da produção, rumo à instituição de uma sociedade
socialmente igualitária, mas à socialização do consumo, a qual foi concebida
como um contraponto à socialização da produção. (PEREIRA, 2002, p.32-
33).

Ainda segundo a autora, o Estado social tomou  como parâmetro um modelo estatal de
intervenção na economia de mercado, que “expandiu e fortaleceu o setor público e geriu
sistemas de proteção social” (PEREIRA, 2008, p 23). 

A expansão do setor público, por meio de sua estrutura administrativa, com um corpo
especializado, foi uma das necessidades encontradas para que o Estado pudesse ser norteador
da economia e capaz de implementar as medidas desejáveis. Torna-se, portanto, um Estado
burocratizado que atua por meio do chamado sistema estatal. 

O Estado significa um número de determinadas instituições que em seu
conjunto constituem a sua realidade e que interagem como parte daquilo que
pode ser denominado de sistema estatal (MILIBAND, 1972, p.67).

Pode se afirmar que, apesar de algumas ingerências em períodos anteriores, a partir de 1930, o
Estado passou a ser instrumento para dar conta da crise no sistema capitalista e atuar para sanar problemas que a economia capitalista produziu e reproduziu em seu interior. Entretanto,
isso não significou ter deixado de ser um Estado capitalista, já que o objetivo foi tentar
contribuir para a superação da crise e dar ao capitalismo certa estabilidade.

No pós Segunda Guerra Mundial o capitalismo viveu uma fase de grande expansão – os anos
dourados da economia, quando houve elevados índices de crescimento econômico em todo o
mundo (HOBSBAWM, 1995). 

Esta expansão teve como pilares a associação dos postulados do keynesianismo e do
fordismo1
, combinando produção em massa com o consumo de massa. Sobre esta associação
Behring e Boschetti (2007, p. 86) comentam: “Ao keynesianismo agregou-se o pacto fordista
– da produção em massa para o consumo de massa e de acordos coletivos com os
trabalhadores do setor monopolista em torno dos ganhos de produtividade do trabalho”. 

O Estado capitalista regulador e intervencionista envolveu-se com a administração e o
financiamento do seguro social e de atividades afins, ou seja, com a ascensão da proteção
social na perspectiva do direito. (PEREIRA, 2002) reforça

[...] mas tal ascensão não se deu por cima e por fora dos conflitos de classe.
Nesses conflitos, ganha proeminência a histórica participação dos
trabalhadores em sua luta contra o despotismo do capital e o poder
tendencialmente concentrador do Estado. Na falta de condições objetivas de
transformar o sistema que os oprimia, a classe trabalhadora aproveitou os
impactos de outras condições objetivas e subjetivas presentes [...] para
abraçar, no seio do próprio sistema, a causa dos direitos sociais (PEREIRA,
2002, p.33).

Este foi considerado um contexto de muita  politização. Havia, em especial nas sociedades
européias, onde se expandia o novo paradigma socialista, questionamentos sobre a capacidade
de uma sociedade capitalista em dar conta de atender as necessidades da sociedade.

Esta ameaça levou os Estados Unidos da América a realizar investimentos para a recuperação
imediata de alguns países da Europa, já que, da forma em que o mercado se encontrava, não
haveria como se recuperar. Assim, em julho de 1947, vem à tona o plano de recuperação da
Europa – denominado Plano Marshall, a fim de que ela se recuperasse dentro do capitalismo,
para que a esquerda, que chegara com certo  júbilo após a derrota do nazismo/fascismo,
pudesse ser impedida de conduzir a Europa ao socialismo. 

Foi o chamado Estado de Bem-Estar Social  que surgiu, neste momento, e que, portanto,
derivou do quadro social e político gerado no  final da Segunda Guerra Mundial e que
promoveu reformas. 

A melhoria das condições de vida dos trabalhadores, somada à sensação de estabilidade de
emprego, levaram o movimento operário a acreditar na possibilidade de combinar acumulação
e níveis de igualdade e, portanto, a abrir mão de um projeto mais radical em prol de
conquistas e reformas imediatas. São os partidos social democratas que vão conduzir essas
alianças com compromisso com uma política reformista, protegendo o capitalismo de um
socialismo revolucionário. 
                                                
1
 Modelo de produção em massa idealizado por Henry Ford, a partir de 1914, e que revolucionou a indústria
automobilística por meio do aperfeiçoamento das linhas de montagem. 
O Estado de Bem-Estar Social foi, logo, um pacto em que os partidos social-democratas
abdicaram de fazer a revolução socialista  para obter o atendimento de reivindicações
mínimas, de reformas imediatas, viabilizado pelas políticas sociais (BEHRING;
BOSCHETTI, 2007).

Com isso, pode-se afirmar que Keynes forneceu os instrumentos, para que a social
democracia, que ascendeu no pós-guerra, se utilizasse do keynesianismo de uma forma
peculiar, ou seja, para a implantação de políticas sociais voltadas para a elevação dos níveis
de igualdade. Esta é, portanto, a inspiração socialista das reformas. 

O Keynesianismo forneceu o alicerce para o compromisso de classe, dando
aos partidos políticos representantes do  operariado uma justificativa para
exercer cargos políticos em sociedades capitalistas. (...) Em todas as suas
formas, o compromisso Keynesiano teve por base um programa dual: pleno
emprego e igualdade. (PRZEWORSKI, 1991, p.244-246)

Ainda de acordo com este autor, o Estado passou  a atuar também na esfera social e, como
conseqüência, as relações sociais deixaram de permanecer dependentes da esfera privada para
serem mediadas por instituições políticas.

O Estado na sua forma de bem estar assumiu, mais amplamente, por meio de políticas sociais,
a função de reproduzir a força de trabalho. Para Bento (2003, p.29) a expansão do Estado de
Bem Estar Social

[...] deu-se na tentativa de solucionar o seguinte problema: o de elaborar
estratégias sóciopolíticas que conciliem a necessidade de integração
permanente da mão-de-obra no mercado de trabalho, imprescindível à
continuidade do processo de acumulação, e os direitos sociais reivindicados
pela classe trabalhadora.

O Estado de Bem Estar-Social não foi mantido pura e simplesmente pelo compromisso com a
classe dominante, mas também pelas classes trabalhadoras, com certo nível de organização e
que pressionaram para a implantação de políticas sociais. Segundo Figueiredo (2003, p.164)

Os ganhos obtidos pela classe trabalhadora no período da forma de Estado
de Bem Estar foram decorrentes das lutas dos trabalhadores para melhorar
suas condições de vida e somente se concretizaram porque os ganhos de
produtividade do trabalho foram tais que possibilitaram manter a taxa de
acumulação em níveis satisfatórios.

É possível afirmar, pois, que o Estado de  Bem-Estar Social não foi um Estado dos
trabalhadores, embora pudesse beneficiar grandes parcelas dos trabalhadores assalariados, por
meio da melhoria das condições de vida. Significa que ele combinou medidas de caráter social
sem, contudo, perder seu caráter capitalista. 

É importante destacar que o Estado de Bem-Estar Social não se deu da mesma forma nos
diferentes países capitalistas desenvolvidos e que influenciam nas características e conteúdo
das políticas sociais. Esping-Andersen (apud LAURELL, 2002, p.154), diferencia três grupos
básicos de bem-estar social, nos quais agrupa tais países: 
 1) social democrata, exemplificado pelos países escandinavos, e que se
caracteriza pelo universalismo e por uma importante redução no papel do
mercado no âmbito do bem-estar social; 2) o conservador-corporativo,
exemplificado pela Alemanha e pela Itália, que se baseia nos direitos sociais,
mas que perpetua uma diferenciação social importante, e que envolve efeitos
distributivos mínimos; e 3) o liberal, exemplificado pelos EUA, Canadá e
Inglaterra, que é dominado pela lógica do mercado.

O Estado de Bem-Estar Social, que teve seu ápice nos anos 50, caracterizou-se pela expansão
dos gastos sociais e pela expressiva acumulação de capital. Contudo, no final dos anos 60, as
expectativas de crescimento começaram a exaurir. Neste mesmo período, se intensificaram os
movimentos dos trabalhadores, cujas reivindicações não se limitavam às questões
econômicas, mas, sobretudo, à democracia no interior das fábricas. Segundo Navarro (2002,
p.92)
[...] os movimentos operários reivindicavam o controle operário sobre o
processo trabalhista, considerado por amplos setores como estreitamente
ligado à propriedade da empresa. O direito da classe capitalista de controlar
o processo produtivo passou a ser questionado pelos trabalhadores.

Isto significou uma ruptura com a condição do capital existir – a subordinação do trabalho - o
que representou, portanto, um embate com o capital, em um período que expressava o fim da
sua expansão. 

No início dos anos 70, outra grande crise  atingiu o mundo capitalista, cujas manifestações
mais importantes foram: a crise financeira e do comércio internacional e a inflação crônica
associada ao baixo crescimento econômico. O Estado de Bem-Estar Social, eleito como um
dos principais responsáveis, começou a ser bombardeado pelos economistas denominados
neoclássicos, neoliberais ou mesmo de liberais, em um movimento chamado de “retorno à
ortodoxia”. As medidas neoliberais traziam consigo a idéia da neutralidade, já que o livre jogo
do mercado permitiria uma melhor utilização dos  fatores produtivos em benefício de toda a
coletividade (SOARES, 2002).

Liderada pelos Estados Unidos da América e  Inglaterra, nos governos Reagan e Thatcher,
onde aconteceu de forma mais efetiva, a ofensiva neoliberal apontou como alternativa a
redução do Estado nos setores sociais para concentrar-se no apoio direto ao capital.

Os argumentos nos quais se apoiava o pensamento neoliberal eram, segundo Pereira (2002,
p.36)
[...] que o excessivo gasto governamental com políticas sociais públicas é
nefasto para a economia, porque gera déficit orçamentário que, por sua vez,
consome a poupança interna, aumenta as taxas de juros e diminui a taxa de
inversão produtiva; [...] que a regulação do mercado pelo Estado é negativa
porque, ao cercear o livre jogo mercantil, tal regulação desestimula o
capitalista de investir; [...] que a proteção social pública garantida, sob a
forma de política redistributiva, é perniciosa para o desenvolvimento
econômico porque onera as classes possuidoras, além de aumentar o
consumo das classes populares em detrimento da poupança interna.

Estas eram algumas das críticas ao Estado de Bem-Estar Social por parte dos segmentos mais
conservadores. Estas teses já haviam sido colocadas desde 1945, mas não haviam ganhado
força no interior da sociedade, já que o capitalismo vivia os seus “Anos de Ouro”. Mas, neste
momento em que havia uma crise financeira, este capital financeiro viu que sua capacidade de êxito se daria no interior dos mercados, com uma política aberta, sem proteção nacional. Há,
portanto, pelos neoliberais, a defesa de desmonte do Estado, em especial do setor social, com
o argumento de que este Estado é paternalista e que os gastos governamentais com as políticas
sociais geram déficit orçamentário. Assim, a única solução é a redução do próprio Estado e de
suas responsabilidades sociais (SOARES, 2002).

Portanto, a solução para a crise consistia  em reconstituir o mercado, a competição e o
individualismo. As funções relacionadas ao bem-estar social, entendidas pelos neoliberais
como pertencentes ao âmbito privado: família, comunidade e serviços privados deveriam ser
reduzidas. A intervenção do Estado deveria ocorrer somente para aliviar a pobreza e para
suprir as lacunas dos serviços privados e  para aqueles de apropriação coletiva. Foram
propostas políticas de caráter assistencialista,  cujo grau de imposição tinha como objetivo
evitar a geração de direitos (LAURELL, 2002).

Para conter o movimento operário e para garantir os lucros capitalistas diante da crise, a
classe capitalista implantou uma política de desemprego, direcionando os investimentos do
setor produtivo para o setor financeiro. Segundo Navarro (2002), as respostas do capital ante a
força do movimento operário foram a internacionalização da produção, a terceirização ou
subcontratação de pequenas empresas, a flexibilização, com a criação de postos de trabalho
em tempo parcial, mas mal remunerados .

De acordo com Soares (2002, p.13) 

Esse novo modelo de acumulação implica que: os direitos sociais perdem
identidade e a concessão de cidadania se restringe; aprofunda-se a separação
entre o público-privado e a reprodução é inteiramente devolvida para este
último âmbito; a legislação trabalhista evolui para uma maior
mercantilização (e, portanto, desproteção) da força de trabalho; a legitimação
(do Estado) se reduz à ampliação do assistencialismo.

Nos países onde já havia sido instalado, houve resistências ao desmonte do Estado de Bem-
Estar Social. Contudo, enfraquecendo a pressão do mundo do trabalho, desapareceu a
possibilidade de um Estado de Bem-Estar Social.

Para Przeworski (1991), embora tenha havido semelhanças entre a ofensiva de direita dos
anos de 1920 e a ofensiva liberal dos anos de 1970, um dos aspectos mais preocupantes é que
a primeira justificava-se a partir de razões derivadas da experiência, sendo a teoria
quantitativa da moeda a única base teórica que o sustentava. A segunda ocorreu de forma
muito melhor planejada, em que os defensores de um Estado distante da economia
apresentaram razões científicas amparadas em diversas teorias que explicavam as vantagens
para que os capitalistas pudessem tratar da acumulação sem considerações de ordem
distributiva.

Conduzida em nível global pelos Estados Unidos da América e pelas instituições financeiras
por eles controladas, como o Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, a economia
baseada no livre mercado global do pós 1970 trouxe crescimento e prosperidade para o
capitalismo, mas gerou, sobretudo, desigualdades e  injustiça social, já que os sistemas de
proteção social se tornaram o alvo da ofensiva neoliberal. 

O crescimento da pobreza e da desigualdade social foram as maiores conseqüências da
aplicação deste ideário e, apesar destes resultados no campo social, o neoliberalismo não conseguiu revitalizar o capitalismo. De acordo  com Pereira (2002, p.39) “[...] as formas de
regulação neoliberais não produziram efeitos  satisfatórios. Com exceção da redução da
inflação, todas as suas metas apresentaram índices negativos, se comparadas com as políticas
keynesianas dos anos de 1960”.

O resultado foi que, no início do terceiro milênio, uma nova grande crise atinge todo o mundo
capitalista que começou nos EUA, em 2006, e acabou por tornar-se a maior crise financeira
do pós-guerra provocando uma reação em cadeia,  cujo desfecho e conseqüências ainda são
desconhecidos.  Sobre esta crise, Santos (2008) afirma, “o impensável aconteceu: o Estado
deixou de ser problema para ser solução”, uma vez que os governos, em especial dos Estados
Unidos da América, acabaram por realizar intervenções estatais, para resgatar instituições
privadas, por meio de pacotes econômicos que, jogam por terra, as teses neoliberais da
capacidade de auto-regulação dos mercados.


Estado e Políticas Sociais no Contexto Brasileiro

O Brasil, como economia capitalista, tem desenvolvimento tardio e sem sincronia com os
países do capitalismo central, nos quais já havia um capitalismo monopolista e imperialista
(MARTINS, 1999).

Houve no país um projeto colonial que, a partir do século XVI, utilizou mão-de-obra escrava
que, apesar dos custos, era rentável, principalmente, para a produção de cana-de-açúcar. Esta
economia colonial tinha sua estrutura na grande propriedade. 

No século XIX, com a decadência da produção de cana-de-açúcar, o Brasil entrou no círculo
virtuoso da produção do café e houve a necessidade de substituir a mão-de-obra escrava pelo
trabalho assalariado. O imigrante representou uma alternativa, já que na América do Norte
havia uma experiência bem sucedida com os chineses. 

A República de 1889 trouxe consigo a promessa da modernização da economia por meio do
estímulo à industrialização. Porém, os avanços neste rumo foram considerados incipientes em
relação aos alcançados anteriormente, dada a direção imposta pela burguesia agrária,
conforme afirmado por Nogueira (1998, p.24) 

A supremacia da burguesia agrária (em especial de São Paulo) manterá o
país voltado para a produção de matérias –primas e alimentos destinados ao
mercado externo, fazendo com que o café conheça sua glória e deixe sua
posição subordinada ao demais ramos da economia.

Ainda segundo o autor, no final dos anos  1920, a economia brasileira com seu sistema
oligárquico exportador já vinha mostrando sinais de esgotamento e havia a necessidade de
viabilizar um novo sistema de poder, fundado no compromisso inter-elites de industrializar o
país. O início da industrialização deu-se com os produtos agrícolas – beneficiamento do café,
ensacamento e transporte para os portos, através das ferrovias, já que a produção estava
interiorizada. Assim, começa a surgir uma pequena burguesia industrial, entretanto, vinculada
à própria burguesia agrária. 

É importante destacar que, a partir do início do século XX, a população operária, constituída
majoritariamente por imigrantes, que trazia  experiências dos movimentos anarquistas e
socialistas europeus, começou a organizar os  primeiros sindicatos, na agricultura e nas indústrias rurais. Em 1907, foi reconhecido o  direito à organização sindical (BEHRING;
BOSCHETTI, 2007).

A Primeira República, de 1889 a 1930, caracterizada como a transição entre a monarquia e a
república, foi marcada pela hegemonia da oligarquia rural, em uma economia agroexportadora
e com uma efervescência político-social. Dentre as mobilizações populares das duas primeiras
décadas destacam-se, as greves de 1905, 1917 e 1919.

Neste período surgiram as primeiras iniciativas de legislação voltadas para o mundo do
trabalho. A Lei do Acidente do Trabalho, em 1919, responsabilizava as empresas industriais
pelos acidentes envolvendo os operários. A Lei Eloy Chaves, em 1923, dando início às Caixas
de Aposentadorias e Pensões (CAPs), marcaram o início da previdência social no Brasil. A
primeira Caixa de Pensão reconheceu a categoria profissional dos ferroviários, que tinha um
bom nível de organização e, portanto, representou, naquele momento, uma tentativa de
cooptação do movimento dos trabalhadores (SPOSATTI et. al., 2007; BERING;
BOSCHETTI, 2007).

Estas CAPs se disseminaram rapidamente e, mais tarde, se transformaram nos Institutos de
Aposentadoria e Pensão – IAP’s, para cobrir riscos ligados à perda da capacidade laborativa,
voltados para as categorias de trabalhadores estratégicos, cujos planos eram pouco
uniformizados e eram orientados pela lógica contributiva do seguro. 

A política social brasileira teve, assim, sua origem no final da Primeira República, ou da
República Velha, como a denominaram alguns autores, quando a questão social ganhou
evidência dada a emergência do processo de industrialização como alternativa da crise
agrária.

A partir de 1930, o Estado passou a intervir de forma mais direta na economia. Aproveitando-
se da conjuntura que se abriu com a crise de 1929, o Estado assumiu a função não apenas de
garantidor da ordem capitalista, como também de empreendedor, participando ativa e
diretamente do próprio sistema de produção e acumulação, criando empresas estatais,
inicialmente de ferro e aço e, posteriormente, do petróleo (NOGUEIRA, 1998).

De acordo com Iamamoto (2000, p.151) 

O Estado assume paulatinamente uma organização corporativa, canalizando
para sua órbita os interesses divergentes que emergem das contradições entre
as diferentes frações dominantes e as reivindicações populares, para, em
nome da harmonia social e desenvolvimento, da colaboração entre as
classes, repolitizá-las e discipliná-las, no sentido de se transformar num
poderoso instrumento de expansão e acumulação capitalista.
 
No que diz respeito à questão social, em razão da emergência da classe operária e de suas
reivindicações e mobilizações, esta passou a ser um elemento impulsionador de medidas de
proteção aos trabalhadores e suas famílias, realizadas por meio da legislação trabalhista
(YAZBEK, 2008).

Durante o primeiro governo Vargas, foram  criadas as bases para o desenvolvimento.
Adotando um discurso nacionalista, de desenvolvimento de empresas nacionais, foi
implantado, no Brasil, um Estado - conhecido como Estado Nacional/populista – que possuía
um papel fundamental não só na intervenção capitalista como no controle da sociedade. A fim de organizar o processo de industrialização, pela organização e cooptação dos trabalhadores
das cidades, foi incorporando benefícios, com um caráter de “concessão”. 
Para Nogueira (1998, p.37)

[...] a legislação trabalhista e social será implantada mas trará consigo
dispositivos legais cerceadores da ação sindical e o paternalismo
desmobilizador do Estado; o velho sistema oligárquico de dominação
acabará derrotado mas não será substituído por um regime democrático, e
sim por uma articulação elitista administrada por um Estado que submeterá a
sociedade a si e assumirá feições bonapartistas, dedicando-se à montagem de
um complexo mecanismo de controle social e político das massas
emergentes.
 
O período compreendido entre 1930 e 1945 foi resumido por Vieira (1995) como um tempo
marcado pela mobilização controlada, por uma política econômica de caráter nacionalista e
por uma política social de natureza trabalhista. Não houve, neste período, qualquer
preocupação que alcançasse a essência da política social, uma vez que as decisões eram
tomadas de forma particular para atender questões importantes e urgentes. 

A partir de meados dos anos 1950, no governo de Juscelino Kubitschek, que abriu as portas
para o capital internacional, notadamente a indústria automobilística, acelerou-se o processo
de industrialização e, no final dos anos de 1960, o Brasil passou a ter população
predominantemente urbana.

Durante este governo, considerado um período democrático na história brasileira, ocorreram
as grandes discussões sobre a saúde no âmbito nacional. Na Previdência houve a promulgação
da Lei Orgânica da Previdência Social (1960), além de avanços em termos de educação
profissionalizante. Contudo, foi um período sem muitas ações práticas. Houve, sim, uma
extrema valorização da política econômica, em detrimento da política social. De acordo com
Vieira (1995, p 127), “as metas econômicas  do governo federal não só conviveram com
precárias condições da maioria da população brasileira, como ainda permitiram ocultá-las,
através da febre desenvolvimentista”.

Nos governos Jânio Quadros e João Goulart também não houve alterações na essência da
política social, apesar do apoio popular oferecido  ao último, que tinha origem trabalhista e
representava a ala mais à esquerda do getulismo, cujo discurso incentivava a realização de
reformas de base. Assim, dados os riscos que os movimentos populares poderiam apresentar
ao capital internacional, considerando que já haviam acontecido as revoluções de Cuba e da
China, ocorreu o Golpe de 1964, como forma de conter tais movimentos. 
 
O governo autoritário que assumiu o país pelo Golpe Militar de 1964 tinha um projeto de
expansão econômica e de internacionalização  da economia brasileira e, por meio de
articulações com grupos dominantes, promoveu rápida modernização econômica
(NOGUEIRA, 1998). Ainda segundo o autor

Para realizar uma rápida acumulação, o regime pôs em prática uma política
econômica voltada para a produção de bens de consumo duráveis, favoreceu
as grandes empresas nacionais e estrangeiras, capitalizou e privatizou a
economia, reduziu salários e estimulou o inchaço do sistema financeiro
(NOGUEIRA, 1998, p.103). Para Couto (2008, p.127), na década de 1970, o Brasil viveu o período que ficou conhecido
como o do “milagre econômico”, em que foram apresentados altos índices de crescimento e o
consumo de bens duráveis alcançou patamares  nunca antes vistos, além da construção de
estradas, hidrelétricas e a consolidação de um grande parque industrial no país.

Embora estas ações tenham, de certa forma, promovido a modernização, também levaram o
país a uma crise inflacionária e recessiva e trouxe importantes conseqüências para a política
social brasileira que, conduzida de forma tecnocrática e conservadora, fez com que fossem
acirradas as contradições sociais no país, com a radicalização das expressões da questão
social. 

Segundo Faleiros (apud BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p.136) “no contexto de perda das
liberdades democráticas, da censura, prisão e tortura para as vozes dissonantes, o bloco
militar-tecnocrático-empresarial buscou adesão e legitimidade por meio da expansão e
modernização de políticas sociais”. Neste período foram criados o Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS), reunindo todas as  Caixas de Pensões e os IAP’s; o Banco
Nacional da Habitação (BNH), que era uma  das grandes reivindicações da classe
trabalhadora; a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM), com o propósito
de retirar crianças e adolescentes das ruas e cujas ações eram de caráter repressivo e de
recolhimento institucional; a Legião Brasileira  de Assistência (LBA) foi transformada em
fundação, além de programas de atendimento  focalizado e pontual na área da saúde e de
medidas no âmbito da política previdenciária, a fim de ampliar os seus destinatários.

Na crítica de Vieira (1995, p.232), “a política social, desde 1964, reduziu-se a uma série de
decisões setoriais [...] Ela ofereceu serviços, sem antes perguntar quais eram as necessidades
reais. Duvida-se de que isto se chame de política social”, já que consistiram, sobretudo, em
uma política de controle e desmobilização da população mais pobre, mantida sob a guarda dos
instrumentos técnicos e burocráticos do governo.

Segundo Couto (2008, p.136), o período da ditadura militar foi perverso no que diz respeito à
constituição de uma cultura baseada nos direitos, na qual foram reforçados os critérios do
mérito, com uma política centralizadora e autoritária, com o cerceamento da participação
popular no âmbito do sistema de proteção social.

Como resultado deste quadro, aliado a outros fatores de ordem estrutural e conjuntural no
âmbito das economias mundiais, na década de 1970, gerou-se um clima de insatisfação na
sociedade brasileira e o debate sobre a questão social tomou força. Movimentos da sociedade
civil se reorganizaram e iniciaram uma luta pela democratização do país, por direitos sociais e
por políticas sociais. Ainda sob fortes medidas de cunho autoritário por parte do governo
central, estas lutas se estenderam durante os anos de 1980.

De 1980-1985, sob o governo de João Baptista Figueiredo – o último do regime militar, além
do agravamento dos resultados trazidos do período anterior, o país viveu um forte movimento
da população que lutava também pelas eleições diretas para a Presidência da República e que
culminou na eleição indireta, dada a forma  como foi conduzida pelo regime militar, dando
início a chamada fase da Nova República no Brasil.
 Segundo Couto (2008, p.135-137), o cenário brasileiro dos anos de 1980 apresentava um país
com grandes dificuldades decorrentes da alta concentração de renda e o conseqüente
agravamento da questão social e, ao mesmo tempo, um tempo pródigo em movimentos
sociais e em participação da sociedade envolvidos no movimento pré-Constituinte que
fizeram germinar a construção de uma nova Constituição. 

Fortemente influenciada por estas lutas democráticas e populares dos anos de 1970 e de 1980,
a Constituição de 1988, foi o marco legal das mudanças na política social brasileira, que se
caracterizou por oferecer cobertura aos que se encontravam fora do mercado de trabalho. A
introdução da seguridade social no título da Ordem Social representou um importante avanço.
Contudo, estes avanços ocorreram em um contexto marcado pelo agravamento das relações
internacionais. Como resultado da crise do capitalismo contemporâneo, somado à queda do
Leste Europeu, nos anos de 1980, houve um declínio em todo o mundo das concepções
socialistas e, assim, as teses neoliberais ganharam força no mundo capitalista.

De acordo com Soares (2002), o processo de ajuste e das reformas neoliberais nos países da
América Latina ocorreu em momentos diferenciados. No Chile, este processo já se iniciou nos
anos de 1970, mas é a partir dos anos de 1980 que a maioria dos países latino-americanos
desencadearam estes ajustes. No Brasil, em razão do seu estágio de desenvolvimento, as
repercussões desta crise operaram fortemente nos anos 90 e, portanto, as garantias
constitucionais brasileiras foram obtidas quando o mundo falava e praticava o neo-
reformismo liberal.

O governo Collor (1990-1992) assumiu o ideário neoliberal e, especialmente a partir de 1995,
no governo Fernando Henrique Cardoso, sob  a orientação do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional, foram implementadas reformas ancoradas na necessidade de
limitação do Estado, tendo como principal documento norteador o Plano Diretor da Reforma
do Estado do Ministério da Administração  e Reforma do Estado (MARE). O modelo de
gestão pública preconizado na reforma do Estado foi a administração pública gerencial
2
,
entendida como aquela que busca o controle dos resultados e na qual o interesse público não
pode ser confundido com o interesse do próprio Estado (BATISTA, 1999).

Para este autor, o projeto de reforma do Estado colocou em prática a lógica do capital ao
privatizar bens públicos e transferi-los para  a iniciativa privada com todas as concessões
possíveis; ao defender a redução do tamanho do Estado, atingiu diretamente o funcionalismo
público; ao assumir apenas o papel de regulamentador, fiscalizador e fomentador das políticas
públicas e não o responsável por sua execução, dentre outras.

No campo da Seguridade Social, segundo Yazbek (1995), o neoliberalismo trouxe profundos
paradoxos uma vez que, ao mesmo tempo em que foram reconhecidos constitucionalmente os
direitos sociais, o Estado se inseriu no contexto de ajustamento a uma nova ordem capitalista
internacional, provocando o desmonte das conquistas no campo social, na qual as políticas
ortodoxas de estabilização econômica, especialmente com suas restrições aos gastos públicos,
reduziram os investimentos sociais do Estado.

Assim, embora a Constituição de 1988 tenha lançado luz da possibilidade da implantação de
um Estado de Bem-Estar Social no Brasil, isso não passou de um ensaio. De acordo com
                                                
2
 O que diferencia a administração gerencial da  administração pública burocrática é o fato de que a última busca
o controle dos processos e os interesses públicos são confundidos com os interesses do próprio Estado.
(BATISTA, 1999) Soares (2002, p.35), “o país foi pego a meio caminho na sua tentativa de montagem de um
Estado de Bem-Estar Social”.

A década de 1990 foi, portanto, um tempo de lutas para a efetivação dos direitos consagrados
na Constituição, na contramão da defesa de um Estado Mínimo e da implantação de políticas
compensatórias. Foi um tempo de viver o  paradoxo de implementar políticas sociais de
caráter universalizante em um contexto de ajuste econômico restrito.
Segundo Behring e Boschetti (2007), houve neste período uma espécie de reformatação do
Estado brasileiro para a adaptação passiva à lógica do capital.

Soares (2002, p.75) afirma que

Diante da crise da presença do Estado na sociedade, constrói-se um discurso
em favor do individualismo pragmático, deixando as pessoas e grupos
entregues à própria sorte ou, na melhor das hipóteses, a uma rede
comunitária de solidariedade.

Em 2002, chegou à presidência do país um líder operário e sindical, representante do maior
partido de esquerda da América Latina - o Partido dos Trabalhadores.

No que diz respeito às políticas macroeconômicas, de acordo com Druck e Filgueiras (2007),
o Governo Lula não promoveu alterações no modelo de desenvolvimento iniciadas por seu
antecessor, caracterizado pela dominação da lógica financeira, com a manutenção dos juros
atrelados às metas da inflação; com o esforço  para a geração de superávit primário para
pagamento da dívida, especialmente, por meio do estímulo ao crescimento voltado para as
exportações e outras que permitiram identificar uma tendência à continuidade do modelo
econômico do governo anterior (FHC).

No campo social, entretanto, houve um reconhecimento dos desafios a serem enfrentados,
sendo que o combate à fome e à miséria recebeu atenção prioritária, com a implantação do
Programa Fome Zero que, em razão da diversidade de ações necessárias ao alcance de seus
objetivos, buscou a articulação entre as diversas políticas sociais. 

Outra medida que ganhou destaque, no âmbito  federal, foi a unificação dos programas de
transferência de renda, viabilizada pela implantação do Programa Bolsa Família, destinado às
famílias situadas abaixo da linha da pobreza. De acordo com Marques e Mendes (2007), além
da unificação de diversos programas e da centralização no Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate a Fome (MDS), houve uma ampliação de sua cobertura sendo que, em maio
de 2006, eram raros os casos de municípios brasileiros que não o tinham implantado.  Neste
período o programa já atendia mais de onze milhões de famílias.

Segundo Silva, Yazbek e Di Giovani (2004, p.217), “as estratégias – combate à fome e à
miséria e os programas de transferência de renda – têm constituído o componente central do
modelo de política social brasileiro no século XXI e que podem contribuir para o
fortalecimento do sistema de proteção social no Brasil”. Contudo, ainda segundo os autores, é
necessário que estes programas estejam “articulados à uma política econômica superadora do
modelo de concentração de renda” para dar lugar a uma perspectiva distributivista.

Especialmente, em razão destas políticas macroeconômicas, já no primeiro mandato do
governo Lula (2002-2005) surgiram inúmeras críticas dos movimentos sociais, sindicais e de
outros setores da sociedade, sob a alegação de que as ações do governo não vinham seguindo o programa anti-neoliberal apresentado na campanha eleitoral e nem estavam de acordo com a
tradição programática do seu partido (Partido dos Trabalhadores - PT), a exemplo dos
avanços esperados relativos à reforma agrária. Mesmo diante destas e de outras críticas, Lula
foi reeleito para um segundo mandato iniciado em 2006.

Neste mesmo ano (2006), o setor imobiliário norte americano entrou em crise. Dada a
interdependência da economia mundial, esta crise teve reflexos em todos os países,
notadamente a partir do ano de 2008.

No caso brasileiro, há expectativas de alterações na relação entre importações e exportações, o
que, dependendo das dimensões, provocará diminuição do superávit da balança comercial,
senão um déficit; redução do crescimento econômico e redução dos níveis de emprego; queda
nos investimentos externos, em razão da incerteza e a aversão ao risco; dentre outros
(CORTEZ, 2009). 

Neste contexto de crise, com a elevação de níveis de desemprego e redução salarial, o
governo dá indicação de aumento de parcelas do seguro desemprego para alguns setores, com
a redução de critérios, apontando para a elevação das políticas de caráter compensatório.

Mesmo não havendo cortes nos recursos com as políticas sociais, é provável, que não serão
verificados aumentos nestes recursos. Portanto, não serão criados novos direitos e serão
restringidos avanços nas políticas sociais.


Considerações Finais

O que se pode concluir com esta abordagem é que, ao longo da história o Estado capitalista
vem se apresentando de distintas formas, a fim de acompanhar a evolução do mundo do
capital. Para as expressões das desigualdades sociais, o Estado, nos vários momentos, deu
diferentes respostas que foram desde a repressão até a implantação de ações que permitiram
visualizá-lo com algum compromisso com o aspecto mais coletivo da sociedade.

No Brasil, consideradas as particularidades de um capitalismo de desenvolvimento tardio, a
formatação das políticas sociais tiveram o sentido de atender a outros interesses, em
detrimento daqueles que envolvem a grande maioria da população.

É reconhecido que, nos países em que houve Estado de Bem-Estar Social, este foi mantido
politicamente pelos governos social-democratas, com ampla participação das organizações no
interior da sociedade: sindicatos, partidos, dentre outros. Não foi, portanto, uma dádiva da
burguesia, não foi uma humanização do capitalismo. As reformas que o caracterizaram, de
acordo com Behring e Boschetti (2007) embora tenham representado melhoria das condições
de vida, implicaram em abrir mão de um projeto mais radical, de um projeto de uma
sociedade socialista.

Diante destas reflexões pode-se concluir que a política social, por ser uma exigência do
capital, existirá independentemente da organização dos trabalhadores, mas será tanto melhor
quanto maior for este nível de organização. A  política social, por si só, não pode ser vista
como um instrumento de libertação, mas pode e deve constituir-se em um espaço de lutas para
aquilo que diz respeito às condições de vida. Não pode, portanto, ser considerada um fim, mas um meio que permita vislumbrar a possibilidade de defesa de um projeto de uma nova
sociedade.

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