Nessa pesquisa de iniciação científica nos propomos a investigar quais as ações educativas articuladas no contexto dos movimentos populares em Santiago. O problema de pesquisa consiste em investigar como se dá a ação educativa libertadora no interior de uma prática política, também libertadora, intrínseca nos movimentos populares de Santiago. Investigaremos as práticas educativas populares que são sistematizadas por iniciativa e interesse de cada movimento em estudo a fim de analisar em que sentido elas constituem-se como práticas libertadoras. O objetivo geral é pesquisar as formas de construção do conhecimento nas organizações sociais populares. A metodologia a ser utilizada é a pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, cujo instrumento de coleta é a pesquisa-questionário, que será aplicada a dez movimentos populares estabelecidos em Santiago. Os dados serão analisados qualitativamente à luz do referencial teórico para interpretação e construção dos resultados finais. A pesquisa encontra-se em fase de coleta e análise de dados, não temos resultados finais.
Palavras Chaves: movimentos sociais, educação popular, libertação.
Neste artigo apresentamos os resultados parciais da pesquisa de iniciação científica que investiga as práticas educativas desencadeadas por iniciativa dos Movimentos Populares de Santiago e que estão fundamentadas e orientadas nos interesses coletivos dos setores sociais aos quais pertencem e visam a instrumentalização de seus membros para uma participação efetiva no desenvolvimento de uma sociedade mais justa que desejam construir.
A temática da educação popular se insere na linha de pesquisa intitulada movimentos sociais, educação e cidadania e está inscrita no Departamento de Ciências Humanas da URI Campus de Santiago. O projeto de iniciação científica intitulado A Educação Popular como instrumento político e Pedagógico para a prática de vida e de luta dos movimentos populares em Santiago que é financiado pelo Programa Institucional de iniciação científica da URI (PIIC/URI) e está sendo realizado por uma acadêmica do terceiro semestre do Curso de Pedagogia.
A preocupação em aproximar a teoria e a prática tem sido uma constante em nosso Curso de Pedagogia pois entendemos ser fundamental para a formação do futuro professor o envolvimento simultâneo com a pesquisa teórica e a pesquisa de campo, a fim de conhecer o que se tem (a realidade concreta) em termos de Educação Popular e o que as classes populares desejam (plano ideal) para a construção da sociedade dos sonhos. Neste sentido, essa pesquisa presta valiosa contribuição à disciplina de Educação Popular ao revelar a nova face dos movimentos populares , traça os novos desafios para a Educação Popular e, consequentemente, retorna à teoria para repensá-la.
O problema de pesquisa é investigar como se dá a ação educativa libertadora no interior de uma prática política, também libertadora, intrínseca nos movimentos populares de Santiago. Com este propósito, estamos investigando as práticas educativas populares que são sistematizadas por iniciativa e interesse de cada movimento em estudo a fim de analisar em que sentido elas constituem-se como práticas libertadoras.
Como objetivos, nos propomos, investigar as formas de construção do conhecimento nas organizações sociais populares; analisar se as ações educativas desenvolvidas nos movimentos populares superam os limites do universo conhecido ou restringem-se a eles; investigar qual a abrangência dos processos educativos e se estão em interação com as experiências e os saberes dos públicos envolvidos; compreender a dinâmica de elaboração da identidade dos movimentos sociais populares a partir de suas ações políticas; analisar como acontecem as relações de poder nas organizações sociais populares.
Entendemos que as experiências de Educação Popular, quando reportadas e articuladas às dinâmicas dos próprios movimentos sociais populares, têm um significado especial no cenário atual em que a Universidade busca preparar o pedagogo com fundamentação teórico-prática para atuar em diferentes espaços educacionais. Por outro lado, na condição de Universidade Comunitária não podemos deixar de dialogar com a problemática trazida pelas mudanças pelas quais vem passando o mundo do trabalho e o conjunto da sociedade, em escala global, assim como com suas implicações para a prática de vida e de luta das classes populares.
A pesquisa toma como base teórica as obras bibliográficas que apontam a Educação Popular como um instrumento de libertação. Uma modalidade de Educação que seja pautada por uma nova Espistemologia alicerçada na valorização do saber popular, da cultura e das experiências das classes populares. As raízes da Educação Popular nos movimentos sociais estão fixadas nas necessidades existenciais mais urgentes da coletividade e projetam soluções “caseiras” para seus problemas. Neste sentido, Torres (1988, p. 19) faz uma reflexão sobre a prática de educação popular e observa que “seus conteúdos, em geral, buscam partir e se ajustar a realidade e as necessidades dos grupos populares, valorizando e recuperando as experiências, o saber e a cultura popular”.
Por outro lado, para investigar como se dá a sistematização dos saberes nos movimentos populares é importante situá-los sob o ponto de vista histórico e cultural em que estão inseridos. Para isso, é importante estarmos atentos ao que afirma Véras (2000, p. 56) “o saber é sempre uma elaboração situada cultural e historicamente, sempre se fazendo a partir de um lugar determinado (uma situação social) e de um tempo dado (uma situação histórica)”. Vale dizer que as pessoas e grupos se afirmam desde o lugar onde atuam, a partir do qual constróem sua perspectiva de inserção no mundo. Portanto, os processos educativos precisam ser articulados em interação com o fazer-saber das classes populares envolvidas, sob o risco de não conseguirem mobilizar-se para um efetivo envolvimento e recriação da sociedade.
A pesquisa que estamos realizando sob o ponto de vista metodológico foi assim estruturada. A organização dos instrumentos de coleta de dados foi construída com base nos objetivos do referido projeto, na bibliografia consultada e em uma entrevista piloto realizada, primeiramente, em duas instituições. A pesquisa de campo está sendo aplicada, através do instrumento pesquisa-questionário, inicialmente aplicado nas seguintes instituições: Pastoral da Saúde, Pastoral da Criança, Sindicato dos Metalúrgicos, Intersindical de Santiago, COOPERSAN (Cooperativa Regional De Prestação De Serviços De Santiago Limitada).
Salientamos que os dados analisados restringem-se ao universo já pesquisado e constituem-se em resultados parciais já que o universo da pesquisa abrangerá outras instituições a serem investigadas, para que possamos atingir, por completo, os objetivos propostos inicialmente por esta pesquisa.
Analisando as falas dos responsáveis pelos movimentos populares de Santiago acima relacionados já entrevistados, verificamos os seguintes resultados parciais: Os sindicatos dos trabalhadores surgiram em Santiago por influência e necessidades expressas em movimentos sindicais que em nível nacional lutavam por condições melhores de trabalho e salário. Neste sentido eles surgiram como um “grito” do povo trabalhador que sentiu a necessidade de organizar-se e alinhar-se com as lutas que reivindicavam seus direitos trabalhistas.
Segundo os membros sindicais ouvidos representantes de seus respectivos sindicatos na Intersindical de Santiago, ao responder o questionário, revelaram que as iniciativas Pedagógicas implementadas por seus sindicatos, valorizam diferentes formas de construção do conhecimento. Os sindicatos oferecem, permanentemente, cursos gratuitos de aperfeiçoamento profissional em diversas áreas de conhecimento. Cada grupo de trabalhadores freqüenta livremente aquele curso que lhe interessar e servir para o aprimoramento técnico e profissional. Observamos que a prática Pedagógica desencadeada no meio sindical está direcionada ao fortalecimento do conhecimento instrumental, responsável pela capacitação do indivíduo para aumentar o seu potencial de produtividade.
A informação revela mudanças na prática política sindical que está atenta para os novos desafios que vêm se impondo quanto à ação dos trabalhadores e das lideranças sindicais face a falta de vagas no mercado de trabalho e o aumento do grau de exigência dos empregadores. Na Interpretação de Véras (2000, p. 47) “há uma consciência no meio sindical e trabalhador sobre as necessidades de capacitar-se para a luta e negociação diante das estratégias empresariais que visam processos de reestruturação das relações de trabalho e do processo produtivo”. Vale dizer que as negociações com a classe patronal implicam em ir muito além da contratação salarial e das reivindicações sobre melhores condições de trabalho. A capacitação profissional permanente ampliando o conhecimento técnico-instrumental apresentar-se como uma necessidade estratégica e um espaço novo de atuação dos sindicatos que possibilita poder articular melhor diversas iniciativas.
No âmbito do social os sindicatos dos trabalhadores oferecem auxílio escolar para crianças de 1ª a 8ª série do ensino fundamental, filhos dos trabalhadores filhados, e esposas que estiverem estudando, fornecendo material escolar básico. Os cursos oferecidos pelos sindicatos aos trabalhadores são programados de forma que eles possam freqüenta-los. Para que isso seja possível, eles facilitam a inscrição dos seus membros e freqüência nos cursos, ajustando os horários de trabalho dos participantes e oferecendo lanche no intervalo de cada período do curso.
Segundo os depoimentos colhidos dos representantes sindicais todos procuram valorizar e oferecer cursos de formação profissional voltados às necessidades e interesses dos trabalhadores. Agem politicamente de instruir seus membros a respeito dos seus direitos assegurados pela legislação em vigor conforme o disposto na legislação do trabalho (CLT) procurando fiscalizar o lado patronal para que os acordos firmados em dissídios da categoria sejam respeitados pelos seus patrões. Há valorização da participação política de seus membros e todas as decisões políticas da categoria são tomadas em assembléias onde todos tem vez e voz.
Verificamos que há um compromisso ético de valorização da participação democrática para que todas as decisões sejam decisões conscientes, refletidas e que contemplem os interesses da categoria fortalecendo a instituição sindical como um espaço político de negociação e respeito mútuo. Neste sentido, a prática pedagógica está centrada na formação da consciência política fundamentada na racionalidade dialógica-comunicativa que legitima o sindicato como um espaço de conscientização política fundamentada na democracia e voltada para os interesses das classes populares. Os sindicalizados descobrem que só enquanto membros de uma instituição organizada terão seus direitos de cidadania reconhecidos e respeitados. Esta postura constitui-se numa prática pedagógica que capacita o cidadão para influir na gestão de políticas públicas e na condução de projetos alternativos de desenvolvimento local colocando a classe trabalhadora organizada diante de uma nova realidade. Os sindicatos, enquanto instituições representativas de interesses coletivos, também adotam uma nova postura saindo do plano eminentemente revindicatório para intervir na gestão de políticas públicas. Neste sentido, também exige-se dos representantes dos trabalhadores um novo tipo de preparação.
A Intersindical foi criada em Santiago, como um suporte para os trabalhadores terem acesso as decisões tomadas em cada sindicato e para ajudá-los a tornar realidade suas reivindicações. Para uma mobilização mais efetiva, reúne-se com as outras categorias sindicais para elaborar estratégias novas de ação e, com seus associados, para decidir as estratégias de implementação de suas bandeiras de lutas, se elas devem ser e como devem ser colocadas em prática em sua categoria. Aqui temos reforçada a prática educativa para a participação democrática nas tomadas de decisão que envolvem interesses coletivos. A pauta sindical é repensada para o enfrentamento de uma nova agenda social a partir da reinvenção e reorientação dos espaços de organização dos trabalhadores para fazer frente as novas estratégias empresariais e governamentais e pelas novas frentes de ação que se abrem.
Em termos econômicos os sindicatos se mantêm com a colaboração de seus associados no montante de um dia e meio de trabalho de cada membro, seja ele associado ou não. A única exigência é estar empregado para passar a contribuir com a categoria. Esta prática assegura-lhe a cobertura sindical dispensada aos demais trabalhadores sindicalizados e reforça o sentimento de pertencimento à categoria de trabalhador a qual faz parte.
No caso da Intersindical de Santiago, que atua como órgão fiscalizador da parte patronal em virtude da falta de fiscalização do Ministério do Trabalho em Santiago, ela se mantém economicamente com a colaboração de cada sindicato que a ela está vinculado, embora não nega assistência aos sindicatos que não estão vinculados a ela, prestando auxílio, em termos burocráticos, principalmente na abertura de novos sindicatos.
As ações pedagógicas vinculadas à Igreja Católica, voltam-se para o testemunho Evangélico concretizado em ações práticas que são desenvolvidas pelas pastorais. As ações educativas encampadas pela pastoral da saúde e pastoral da criança, abrangem as práticas de saneamento, higiene, prevenção à doenças endêmicas, epidêmicas, prevenção aos acidentes domésticos, nutrição infantil, distribuição de sabão, xarope, leite nutritivo, alimentação alternativa (multimisturas). As frentes de atuação dessa modalidade de trabalho social comunitário, como pudemos constatar, é bastante vasto e envolve a necessidade de capacitação permanente de seus agentes para um trabalho voluntário que exige, de certa forma o conhecimento técnico e, acima de tudo a capacidade de liderar grupos de voluntários que nem sempre estão aptos para as ações planejadas.
Nas pastorais entrevistadas, o trabalho é totalmente voluntário e as ações pedagógicas acontecem nos bairros mais carentes de Santiago, onde são ensinadas práticas culinárias como a multimistura (farinha feita de cereais ricos em vitaminas e proteínas que ajuda na nutrição das crianças), que constitui-se em possibilidade concreta e acessível no combate à subnutrição infantil. Entre outras ações presta-se assistência às gestantes, pesagem das crianças e acompanhamento durante e após a gravidez. Sob o ponto de vista Pedagógico educa-se para a solução dos problemas a partir das condições que a apropria realidade local oferece.
A Pastoral da Saúde prepara medicamentos alternativos, para combater algumas doenças que podem ser curadas ou prevenidas com a utilização de ervas medicinais. Esses medicamentos são feitos a partir de ervas naturais doadas pelas atendentes e pela comunidade em geral. O grupo é dividido em subgrupos voluntários, com uma coordenação geral e uma coordenadora para cada grupo que tem a função de orientar o seu grupo de trabalho e de repassar os dados obtidos nas visitas para a coordenadora geral. Esses grupos fazem um trabalho preventivo orientando os cuidados na alimentação, higiene ( a qual recebe uma atenção especial, tratando-se da higiene do corpo e dos alimentos). As atendentes (como são chamados os membros do grupo) participam de cursos permanentes para aprender a fazer os compostos. Elas reúnem-se uma vez por mês a fim de discutir estratégias novas de intervenção social, socializar as experiências e os saberes necessários para enfrentar os novos desafios.
O grupo da Pastoral da Criança é dividido em subgrupos voluntários que trabalham diretamente na comunidade e cada grupo possui uma líder. As líderes recebem capacitação duas vezes por ano, onde fazem leituras e esclarecimentos do livro Guia do Líder da Pastoral da Criança, recebendo também um Kit de atendimento.
As visitas da Pastoral da Criança, às famílias, são feitas uma vez por mês, de acordo com sua necessidade. Há também, retiros espirituais para as líderes e algumas mães que quiserem participar, com os seguintes temas: educação, nutrição, cidadania, evangelização.
Observamos que as Pastorais primam pela formação pedagógica de suas lideranças para que o trabalho assistencial que é direcionado às classes populares carentes, possa contribuir para o resgate da dignidade e melhoria da qualidade de vida dos sujeitos envolvidos. Há um permanente esforço pedagógico orientado para a formação de seus agentes (atendentes) para que estes possam oferecer informações seguras e realizar uma assistência com qualidade.
Na cooperativa entrevistada, a COOPERSAN (Cooperativa Regional de Prestação de Serviços de Santiago Limitada) os serviços são terceirizados para outras empresas. Em termos econômicos recebe uma porcentagem do que é pago aos trabalhadores em suas empreitadas de trabalho. A COOPERSAN é composta por um diretor-presidente, um diretor-vice-presidente, um secretário e um tesoureiro e, mais quatro membros que trabalham dando apoio a diretoria e não tem cargo definido. Possui apenas duzentos e quinze associados em atividade, dentre estes encontram- se pessoas idosas, deficientes, aidéticos e analfabetos, todos os trabalhadores são remunerados, porém fora do regime da CLT, dividindo os lucros obtidos. A exemplo do que fazem os sindicatos esta cooperativa também promove cursos de qualificação para todos os novos associados conscientizando-os sobre o funcionamento do trabalho em Cooperativa, seus direitos e seus deveres, bem como, ofertando cursos de motivação, integração e orientação de seus associados, visando a conscientização da importância de cada membro para o crescimento e desenvolvimento da cooperativa. O principal objetivo da cooperativa é melhorar as condições econômicas de seus associados que sem ela estariam engrossando as fileiras dos desempregados. Realiza assembléia para decidir sobre questões de interesse de todos os associados como a aprovação do estatuto ou regimento interno da cooperativa.
Considerando que este projeto de pesquisa ainda está em andamento, na fase de coleta, análise e interpretação dos dados, podemos concluir que até o momento os resultados parciais são satisfatórios e permitiram alcançar parte dos objetivos propostos por esta pesquisa. Observamos que as práticas educativas articuladas pelos movimentos populares sujeitos dessa pesquisa decorrem dos problemas que tornam a vida desafiante para os determinados grupos e pessoas e deles emergem a motivação e a orientação necessária para a empreitada de construção de um novo projeto de ação individual e coletiva de cunho libertador.
Bibliografia
BRANDÃO , Carlos R. Em Campo Aberto. São Paulo: Cortez, 1995.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra,1993 22ª ed.
TORRES, Rosa Maria. Discurso e prática em Educação Popular. Trad. Américo R. Piovesan. Ijuí: UNIJUÍ Ed. 1988.
VÉRAS, Roberto. Notas sobre educação participativa em um contexto de mudança social. In GARCIA, Regina Leite (org.) Aprendendo com os Movimentos Sociais. Rio de Janeiro. DP&A editora, 2000.
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